Título: Magarefes da honra alheia
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: Jornal do Brasil, 12/04/2005, Outras Opiniões, p. A11

Da leitura de Anatole France ficaram-me o deleite de sua fina ironia e a beleza estilística que encantou minha juventude. Católico praticante, então, rendi-me à leitura do romance Thais, da cortesã e o eremita e de Les Opinions de L'Abbé Jérome Coignard. Militar, ignorei sua aversão à farda, em L'íle des Pingouins. Não li toda a sua obra, por isso me surpreendeu ler, alhures, esta citação : ''Os homens nascem, crescem, julgam os pais e raramente os absolvem''. Achei injusta, mas vim a parodiá-lo ao ler o julgamento pejorativo de moços sobre antepassados que admiramos. ''Crescem, julgam-nos e raramente os absolvem''. Referenciais históricos, sobretudo se militares, são injuriados. Em pretensa revisão histórica, influenciados pela ótica esquerdista têm não apenas criticado mas caluniado Caxias, o maior dos generais destas latitudes sul-americanas como autor da drástica redução da população paraguaia ao fim da guerra de 1864/ 1870. Não responsabilizam por isso Solano Lopez que recompletava suas tropas, derrota após derrota, com crianças e adolescentes, até que o cabo Chico Diabo o lancetou em Cerro Corá. Inventa-se até que ele mandou despejar no leito do rio Paraguai, a montante de Assunção, cadáveres de vítimas do cólera-morbo, visando a contaminar sua população. Calúnia que Rui atribuía a ''magarefes da honra alheia''.

Depois de quinze anos de pesquisas, três deles no Paraguai, o historiador Francisco Doratíoto escreveu Maldita Guerra, desfazendo definitivamente os mitos criados pela esquerda revisionista, sobre a guerra do Paraguai. Compulsou milhares de documentos. Recusou versões, ora deficientes, ora deturpadas com o fim de caluniar Mitre e Caxias. Daí - conclui - o ''espírito acrítico com que o mundo acadêmico aceitou e reproduziu publicações revisionistas sobre a Guerra do Paraguai, que mistificavam Solano Lopez e responsabilizavam o imperialismo britânico pelo conflito''.

Tem-se usado até do deboche. Recentemente, li que Portinari, encarregado de fazer os ladrilhos que revestem a parede do prédio então do Ministério da Educação, pediu-lhe o ministro Gustavo Capanema que a Caxias dedicasse um deles. Concluída a encomenda, Capanema lobrigou, com dificuldade, no painel, um minúsculo Caxias, escondido entre animais. À sua estranheza retrucou Portinari que pintara Caxias como o via, e tudo que poderia fazer era apagar o ladrilho. Escusado lembrar que para Portinari, do PCB, Caxias era o anti-herói.

O objetivo agora é o marechal Mascarenhas de Moraes, que comandou a FEB, retratada como uma tropa ''obsoleta e mal treinada'', que estagnara no que aprendera no começo do século 20 com a Missão Francesa. Não pertenci à FEB. Fico à vontade para refutar um jovem mestre em História, que tenta deslustrar o comandante da FEB, de quem diz que ''suas ações, durante a campanha, deixaram muito a desejar para qualquer uma pessoa com o mínimo de conhecimento de história militar''. Julgamento lastimável, por historicamente inverídico.

Dizer a FEB obsoleta é desconhecer que estava adestrada para a guerra no teatro sul-americano. Seria mais perto da verdade afirmar que teria de modernizar-se para combater o exército alemão, que derrotara arrasadoramente a França. Ainda assim, a FEB adaptou-se rápido à guerra européia. Da Artilharia, fale por ela o documento alemão, apresado após a rendição alemã: ''Uma nova Artilharia revelou-se na frente de combate''. Referia-se à maior precisão derivada da técnica de tiro francesa que aprendêramos atirando com canhões Krupp, os mesmos com que os alemães estavam combatendo. Aliados dos Estados Unidos e integrando o XV Exército americano, nossos artilheiros tiveram que adestrar-se no obuseiro americano. Incompreensível seria irmos à guerra com canhões Krupp. A Infantaria teve, igualmente, de usar armamento norte-americano, para substituir os fuzis Mauser, também de fabricação alemã. Mas foi a mesma infantaria que conquistou notáveis vitórias, duríssimas como pela posse de Montese, e que motorizadas com os caminhões da Artilharia (iniciativa do general Mascarenhas) e apoiada na Cavalaria Mecanizada, veloz cercou o inimigo e impediu seu retraimento para o Norte. Quanto à Engenharia, o próprio historiador cita o ''respeito dos engenheiros americanos'' por ela.

O desempenho da FEB foi elogiado como ''esplêndido'' pelo Major-General Crittenberg, Comandante do IV Corpo de Exércitos, por ''sua rápida adaptação às variadas condições, ao entusiasmo com que cumpre com eficiência cada nova missão, culminando com o pesado combate nas vizinhanças de Fornovo e a rendição dos generais-comandantes da 148ª DI alemã e da Divisão Itália e 14 mil prisioneiros de guerra''. O elogio conclui: ''Estou orgulhoso de ter tido a FEB como parte do IV Corpo''. Esses êxitos, não os teríamos colhido se o Comandante fosse incompetente. Não é à toa que no Exército se diz que ''a tropa é o reflexo do Chefe''. O general Mascarenhas foi um chefe vitorioso.

Modesto, diz em suas memórias que a campanha não foi uma sucessão contínua de vitórias. Mas a ele como chefe, cabem os louros que a FEB conquistou na Itália.