O Globo, n. 31480, 15/10/2019. Opinião, p. 2

Poderes em conflito

Merval Pereira


A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, de incluir na pauta de quinta-feira a discussão das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre a prisão em segunda instância trouxe de volta ao debate político a atuação paralela do STF com o Congresso.

Tramita na Câmara, não apenas no pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, mas também em um Projeto de Emenda Constitucional (PEC), a proposta do deputado Alex Manente, do Cidadania, de tornar definitiva a permissão para prisão em segunda instância.

A PEC, aliás, será analisada hoje na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, justamente devido à decisão do STF. O Supremo, que está desde 2017 com essas ADCs aguardando pauta, não deveria discutir o assunto agora, que o Congresso está tratando dele.

Além desse conflito de poderes, há ainda conflitos internos no Supremo que certamente retardarão uma decisão mais rápida. O relator da matéria, ministro Marco Aurélio Mello, pretende resumir seu parecer, que é a favor do trânsito em julgado, para ganhar tempo na tomada de decisão final.

Ele acha possível que o julgamento possa ser encerrado na semana seguinte, mas tudo indica que está sendo otimista. Na quinta-feira, haverá espaço apenas para a fala dos defensores das três ADCs e a leitura do relatório.

Na semana seguinte começaria a votação, que deve ser prolongada, pois o plenário do Supremo está dividido. Os três primeiros votos, a não ser que haja alguma surpresa, são favoráveis à prisão em segunda instância: Alexandre de Moares, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. O quinto e o sexto votos, do ministro Luiz Fux e da ministra Cármen Lúcia, serão também favoráveis.

A quarta a votar é a ministra Rosa Weber, que se declara a favor do trânsito em julgado. Não se sabe qual será sua posição caso a proposta de Toffoli, de prisão na terceira instância, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), seja apoiada pelos cinco ministros que se declaram contra a prisão em segunda instância.

Ela pode considerar que, para mudar a jurisprudência, não é razoável desistir da segunda instância que está em vigor para criar mais uma etapa nos processos.

Os demais ministros, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, são favoráveis também ao trânsito em julgado. A definição estará nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que poderia mudar o voto para acompanhar o presidente do Supremo a favor da terceira instância (STJ), mas pode recuar mais ainda, defendendo o trânsito em julgado. A decisão final deve sair apenas no início de novembro.