O Globo, n.31.622, 05/03/2020. País. p.10

Partilha do orçamento

Amanda Almeida 
Bruno Goés 
Manoel Ventura 


 

No primeiro passo para cumprir o acordo firmado com o governo, o Congresso manteve ontem vetos do presidente Jair Bolsonaro que impediram os parlamentares de controlar a execução de R$ 46 bilhões do Orçamento, sendo R$ 30,1 bilhões nas chamadas emendas de relator. O Ministério da Economia informou que os projetos de lei enviados na terça pelo governo, e que devem ser votados nas próximas semanas, vão permitir ao Congresso definir a prioridade para a aplicação de R$ 19 bilhões. Em contrapartida, os recursos poderão ser contingenciados e não haverá controle de deputados e senadores sobre a ordem de execução das emendas individuais.

A negociação desse acordo levou semanas, com capítulos de desalinho, como a declaração do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, acusando os congressistas de “chantagem”. Também houve desentendimentos entre Câmara e Senado, que queriam ritos diferentes na votação. A Câmara defendia a votação dos projetos antes do veto. Contudo, acabou cedendo à pressão de parte dos senadores, que pediam a análise do veto antes das propostas. Os projetos devem começar a tramitar na próxima semana pela Comissão Mista de Orçamento, que reúne membros das duas Casas.
IDAS E VINDAS

O imbróglio começou com o projeto enviado pelo governo no ano passado que alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias e repassou ao relator do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE), o controle de R$ 30,1 bilhões. A mudança esvaziaria o poder dos ministros, que teriam uma fatia menor de recursos sob seus comandos. Atendendo a pedido da equipe econômica, Bolsonaro vetou a medida. Após a negociação, o presidente enviou anteontem três projetos de lei que deixarão uma fatia menor sobre o controle de Domingos Neto, que agora articula a divisão dos recursos com as cúpulas do Senado e da Câmara.

A votação não ocorreu assim que chegaram os projetos devido a problemas dentro do Senado e à falta de segurança do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEMAP), de que o acordo seria chancelado pelos colegas. Ontem, antes da análise dos vetos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que, apesar das desconfianças, era preciso confiar na palavra empenhada de deputados e senadores.

—Hoje alguns tiveram dúvida. Mas acordo, palavra, entre deputados e senadores, temos que acreditar, se não, não vota mais durante um longo período (...) O importante é que entre nós o acordo seja feito e honrado —disse Maia.

Integrantes do grupo Muda Senado, que reúne cerca de 20 parlamentares, anunciaram discordâncias em relação aos projetos enviados pelo governo. Eles não concordam que o Congresso controle os recursos. Na Câmara, há um temor que outros senadores insatisfeitos com a condução de Alcolumbre no caso se juntem ao grupo e impeçam a aprovação dos projetos.

Enquanto questões internas fazem o acordo patinar no Congresso, o governo revelou que o valor a ser entregue ao comando dos parlamentares é maior que o previsto. Integrantes da equipe econômica afirmaram em entrevista coletiva que o montante que será controlado por Domingos Neto será de R$ 19 bilhões. O governo ficará coma execução de R $101,1 bilhões de despesas que podem ser destinadas livremente, chamadas de discricionárias.

Os totais das emendas parlamentares —recurso indicado por deputados e senadores — permanecem praticamente os mesmos. As emendas individuais continuam em R$ 9,5 bilhões, e as emendas de bancadas estaduais, R$ 5,9 bilhões. Já as emendas de comissões do Congresso caíram, de R$ 700 milhões para R$ 400 milhões.

O texto do governo define ainda critérios para bloqueio de recursos, que ocorre quando é preciso controlar os gastos. As emendas parlamentares e as despesas indicadas pelo relator poderão ser contingenciadas na mesma proporção dos recursos disponíveis para os ministérios.

— Nós estamos com uma nova realidade, o Orçamento Impositivo, que precisa ser regulamentado. Isso é uma realidade. Há uma insegurança disso na execução do Orçamento — disse o assessor especial de relações institucionais do Ministério da Economia, Esteves Colnago.