O Globo, n.31.622, 05/03/2020. Economia. p.25

Mais um ano de PIB baixo 

Cássia Almeida 
Gabriel Martins 

Pedro Capetti 

 

A economia brasileira cresceu 1,1% no ano passado, a menor taxa desde o fim da recessão em 2016, segundo dados do IBGE divulgados ontem. O resultado veio dentro das estimativas do mercado, mas muito aquém dos 2,5% que eram esperados no início do ano passado. Além disso, no quarto trimestre, indicadores-chave da economia mostraram resultado abaixo do previsto, principalmente o investimento.

Esse desempenho e a piora do cenário no início deste ano — com o avanço do coronavírus e a crise política —levaram os economistas a revisar para baixo suas projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, o que pode levar o Brasil ao quarto ano seguido de baixa expansão da atividade econômica. Ao menos dez consultorias e bancos diminuíram suas projeções e preveem alta inferior a 2%. As previsões se concentram em torno de 1,5%. Mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda acredita que o país crescerá mais de 2% este ano.

— O segundo semestre veio melhor (alta de 1,4% contra 0,8% do primeiro semestre), mas não dá para comemorar. Há uma certa decepção. O crescimento veio muito focado no consumo das famílias. O investimento poderia vir melhor diante da estabilidade macroeconômica. Com juros e inflação baixos, cadê o investimento? —pergunta a economista Silvia Matos, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

INCERTEZA MAIOR

O investimento cresceu 2,2% no ano passado, mas ficou abaixo dos 3,9% de 2018. No fim do ano, decepcionou. Caiu 3,3% frente ao terceiro trimestre. Ítalo Lombardi, economista para América Latina do banco Crédit Agricole, avalia que somente uma retomada mais robusta do investimento será capaz de fazer a economia crescer de forma mais sustentada, superando o patamar de 1% ao ano:

— O país vai ter dificuldade de sair desse patamar de crescimento medíocre sem que consiga atrair investimento, uma vez que há pouco espaço para avanço da participação do governo no crescimento do PIB.

Silvia afirma que há três fatores jogando contra a alta do investimento: a intensificação dos atritos entre o Executivo e o Legislativo, o coronavírus, que aumenta a aversão a risco e afasta investidores dos países emergentes, e incerteza sobre as reformas no Congresso:

—Nossos indicadores mostram incerteza muita elevada na economia. Do ponto de vista do empresário, não saber qual a regra tributária dificulta a tomada de decisão. A postura do governo não muito favorável ao meio ambiente faz o investidor estrangeiro se retrair, diminuindo o recurso externo no país. O cenário internacional complicou mais ainda com o vírus, e ninguém quer saber de emergente agora.

O dólar alto também limita a expansão da capacidade produtiva, pois encarece máquinas e equipamentos importados.

O economista-chefe do Haitong, Flavio Serrano, prevê que o PIB deve crescer 0,3% nesse início de ano, abaixo dos 0,5% do quarto trimestre de 2019 na comparação com o período de julho a setembro:

— O período-chave será a partir do segundo trimestre do ano, quando vamos descobrir se há impacto mais severo (do coronavírus) na produção, na indústria e nos investimentos. Isso pode frear o crescimento e pesar no resultado do ano.

Sergio Vale, economista chefe da MB Associados, é um dos que revisaram a projeção de alta do PIB este ano. Baixou de 2% para 1,7%. Ele acha difícil que o crescimento seja menor que o de 2019, mesmo com o coronavírus:

—Para dar 1,1% ou abaixo disso, seria necessária uma recessão global mais drástica, apesar de sinalizações complicadas, como a decisão do Fed (banco central americano) de cortar juros duas semanas antes da sua reunião. Gera certa preocupação de que o cenário externo vai piorar ainda mais daqui para frente.

Para ele, o elemento mais relevante para a economia brasileira este ano é como será a relação entre o Executivo e o Legislativo:

— O avanço das reformas depende dessa relação positiva, principalmente em ano eleitoral. A PEC (proposta de emenda constitucional) Emergencial (que prevê redução de salário e jornada do servidor) e a reforma tributária são as mais importantes.

EXPORTAÇÕES FREARAM PIB

A demanda interna foi responsável pela alta de 1,1% do PIB. Se as exportações não tivessem caído 2,5% e as importações subido, o país teria crescido 1,7%. A crise na Argentina, que afetou as vendas externas de veículos e deve continuar este ano, e a guerra comercial entre EUA e China, que reduziu o comércio global, explicam o resultado. Essa situação deve piorar este ano, com a epidemia do coronavírus.

—A economia está andando em três velocidades diferentes. A que responde a juro baixo e crédito privado está crescendo de forma significativa; mas outra parte, que depende do crescimento global, foi negativa; e tem o setor público, que também não está crescendo. Só um dos motores está ligado —diz Luka Barbosa, do Itaú.


 

Consumo das famílias teve menor expansão desde 2016

O consumo das famílias — principal motor do crescimento da economia brasileira, responsável por quase dois terços do PIB — avançou 1,8% no ano passado. Trata-se da menor taxa de expansão desde 2016.

Em 2019, o setor ganhou um estímulo adicional coma liberação de recursos do FGTS. Na avaliação de especialistas, porém, alguns fatores contribuíram para uma expansão aquém da registrada em 2017 e 2018, quando houve alta de 2%: baixa adesão ao saque emergencial do FGTS, de R$ 500 por conta, além de um mercado de trabalho fraco.

Com desemprego e informalidade alta, amassa salarial— soma de todos os salários pagos ao longo do ano — cresceu menos, o que reduz o espaço para compras.

—Em 2017 e 2018, o avanço da massa salarial foi de cerca de 3%. Em 2019, ficou próximo a 2,5%. Embora o mercado de trabalho tente se recuperar, esse movimento é, em grande parte, pela informalidade, com salários flutuantes. O desemprego ainda é alto, o que diminui o poder de barganha para pedir aumentos — explica Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco.

Além da baixa adesão, o FGTS não foi usado unicamente para consumo.

— Os recursos do FGTS também foram usados para quitar dívidas. Além disso, instabilidades da economia afetaram os gastos das famílias —disse Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE.

A projeção inicial do Santan de rera deu ms aquede 100% dos recursos do FGTS à disposição, mas, no fim das contas, apenas 75% do volume (algo como R$ 6 bilhões) chegaram ao bolso dos trabalhadores.

Neste ano, a previsão é que o consumo das famílias siga crescendo. Sozinho, porém, ele não é capaz de sustentar um PIB com taxa de expansão maior, avalia Silvia Matos, economista do FGV/Ibre.

— Pela demanda, a alta do PIB virá do consumo. Mas é uma alta com baixa produtividade e certa ineficiência. Não dá para crescer muito.

O comerciante André Martins está sem emprego há um ano, após fechar sua loja. Assim, a família precisou cortar o curso de inglês da filha, Emily Gomes, de 17 anos, além do plano de saúde de Andrée a TV acabo.

A família se sustenta agora com o salário de assistente comercial de Eliane, esposa de André. Os gastos com lazer também foram cortados.

— Para economizar, temos evitado sair. Antigamente,no fim de semana, íamos a um restaurante almoçar, mas não fazemos mais —disse Eliane.

No quarto trimestre de 2019, o consumo das famílias desacelerou para 0,5%, após crescer 0,7% no 3º trimestre.

— A alta no preço da carne no fim do ano contribuiu para que as famílias organizassem seus orçamentos. Sobrou menos dinheiro para consumir — avalia Anna Reis, economista-chefe da Gap Asset. (Gabriel Martins, Cássia Almeida, Pedro Capetti, Leo Branco e Vitor Santos*) *Estagiário, soba orientação de Luciana Rodrigues

No ano, o PIB brasileiro somou R$ 7,3 trilhões. Já o PIB per capita ficou estagnado em R$ 34.533, com alta de 0,3%. Com o o baixo crescimento, o Brasil ficou em 17º lugar num ranking de 22 países.