O Globo, n. 31481, 16/10/2019. Opinião, p. 2

Sérias implicações de um retrocesso em julgamento no STF



A denúncia do escândalo do mensalão em 2005, com impacto direto no PT, teve seu desfecho judicial, com a definição de penas, no primeiro semestre de 2014. A novidade histórica da condenação de bem situados criminosos do colarinho branco — quadros estrelados do PT, partido no poder, aliados e até banqueiros — melhorou a imagem do Judiciário, até então sinônimo de burocracia, de máquina especializada em condenar pobres. Gente sem condições de contratar bons advogados que saibam usar o emaranhado de leis e recursos para protelar julgamentos e provocar a prescrição dos delitos da clientela.

O Supremo Tribunal começa amanhã mais um desses julgamentos referenciais, num país conhecido por não punir com o necessário os mais abastados —até o mensalão e a Lava-Jato.

Está na pauta do plenário da Corte, como prometera seu presidente, ministro Dias Toffoli, o início do julgamento de Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) impetradas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN), pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo PCdoB, contra o entendimento adotado na Corte em 2016 de que pode haver início de cumprimento de pena, se for confirmada em segunda instância a sentença lavrada pelo juiz de primeiro grau.

Esta interpretação da legislação, do ministro Teori Zavascki — seguida pela maioria da Corte em um processo específico, mas referendada por ministros em outros casos —, servi upara aumentara eficácia do combate à corrupção. Do que resultaram a prisão até de um ex-presidente, Lula, e a devolução de bilhões à Petrobras, a estatal mais atingida pelo esquema corruptor instalado em Brasília pelo lulopetismo.

Aposição majoritária da Corte em favor da antecipação da pena — jurisprudência adotada de 1941 a 2009, sem deixar de garantir ao condenado todo o direito de defesa e a presunção de sua inocência — se sustenta, também, no fato de que provas e argumentos da promotoria e da defesa são tratados nas duas primeiras instâncias. Nos tribunais superiores discutem-se apenas aspectos jurídicos.

É grande o risco de um retrocesso grave, não apenas nos embates contra a corrupção, mas também no enfrentamento do crime organizado. Infelizmente, há quem veja neste julgamento uma oportunidade de enquadrar promotores da Lava-Jato e alertara primeira instância da Justiça paranã o extrapolar limites.

É certo que esta percepção foi sedimentada pelo hackeamento de supostas mensagens de integrantes da Lava Jato, mesmo que a perícia no material seja difícil eque e lenão possa servir de prova de acusação, por ter sido obtido de maneira ilegal.

Em vez de se concentrar nos órgãos de correição do MP e da Justiça a avaliação de alegados desvios funcionais, envereda-se por um caminho que pode trazer de volta a prática contumaz da impunidade. Sob o risco até mesmo de aumentar a insegurança jurídica no país.