O Globo, n. 31531, 05/12/2019. País, p. 4

O labirinto da 2ª instancia
Gustavo Maia
Bruno Góes


Em uma reviravolta do roteiro desenhado na semana passada pela cúpula do Congresso, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Simone Tebet (MDB-MS), anunciou ontem que colocará em votação, no colegiado, na próxima quarta-feira, o projeto de lei que abre caminho para a prisão imediata de condenados em segunda instância.

Apesar de o texto ter tramitação mais rápida do que a proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre o mesmo assunto discutida pelos deputados, a iniciativa de Simone serve mais como pressão política sobre os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), do que garantia de uma decisão do Congresso sobre o tema antes do recesso legislativo.

O anúncio de Simone ocorre na semana seguinte à reunião na casa de Alcolumbre, na qual líderes partidários, com o respaldo do presidente do Senado e de Maia, haviam decidido dar prioridade à tramitação da PEC da Câmara, em detrimento do texto que é discutido pelos senadores. Ao ignorar o acordo, Simone argumentou ontem que Maia prometeu, mas não apresentou ao Senado um calendário para a análise da proposta na Casa:

— O que não nos cabe neste momento é a omissão, e muito muito menos esquecermos de que esse é um sistema bicameral. Nós temos projetos tramitando concomitantemente na Câmara e no Senado sobre diversos assuntos. E para isso existem duas comissões de Constituição e Justiça. Nem o presidente daquela Casa poderá dizer para nós que o nosso projeto pode ser eivado de vício, e portanto judicializado, muito menos nós poderemos fazer o mesmo em relação à Câmara.

Favorável à prisão depois de sentença em segunda instância, Simone anunciou a decisão de pautar o projeto depois de audiência na CCJ com a participação do ministro Sergio Moro (Justiça). Ele defendeu que a mudança legislativa é urgente. Em um aceno ao projeto do Senado, acrescentou que “quanto antes (um projeto sobre o assunto for votado), melhor”. Também ontem, a senadora recebeu um manifesto favorável à análise da proposta na CCJ . O texto foi assinado por 43 dos 81 senadores da Casa.

Na prática, porém, uma votação na CCJ não garante que o caminho para uma palavra final do Congresso sobre o assunto será abreviado. O projeto do Senado, que altera três pontos do Código do Processo Penal, é terminativo no colegiado. Ou seja, se aprovado, é encaminhado à Câmara, sem a necessidade de votar no plenário do Senado. O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), já se prepara, porém, para apresentar um recurso para levar o projeto à votação no plenário, caso ele passe na CCJ. Se o recurso for aprovado, o projeto dependerá de Alcolumbre para entrar na pauta do Senado.

O presidente do Senado já demonstrou contrariedade sobre o Congresso discutir o assunto depois da decisão do Supremo que derrubou a possibilidade de prisão imediata de condenados em segunda instância. Ontem, ele demonstrou desconforto com a decisão de Simone.

— Havia um entendimento em relação a gente buscar a conciliação. (...) Vou tentar ouvir os senadores para ver qual é o procedimento. Na minha cabeça, tem um procedimento estabelecido, acordado na reunião com o presidente da Câmara, com o presidente do Senado e com 95% dos líderes, que apoiaram a tese da construção de um texto que possa promover essa condenação a partir da segunda instância, através de uma emenda constitucional, que é o que eu acho certo — disse Alcolumbre.

Sobre as alegações de que a maioria dos senadores não teria concordado com o acordo, ele rebateu:

— Aí, os liderados substituem os seus líderes para o ano que vem, porque este ano não dá mais.

Se o projeto vencer as dificuldades no próprio Senado e for aprovado, chegará à Câmara sem consenso para votação. Entre os deputados, há uma resistência maior ao tema, até, por isso, a “prioridade” deles foi por uma PEC, cujo rito é mais longo. Ontem, foi instalada a comissão especial instalada para debater a PEC. Foram eleitos para a presidência e a relatoria dois deputados do centrão, respectivamente Marcelo Ramos(PL-AM) e Fábio Trad (PSD-MS).

Depois da reviravolta no Senado, Maia disse ontem que não iria tratar da proposta citada por Tebet, pois não é presidente da Senado.

“O que não nos cabe neste momento é a omissão, e muito muito menos esquecermos de que esse é um sistema bicameral” — Simone Tebet, presidente da CCJ do Senado.

“Havia um entendimento em relação a gente buscar a conciliação. (...) Vou tentar ouvir os senadores para ver qual é o procedimento” — Davi Alcolumbre, presidente do Senado.

Câmara PEC 199/2019

O que diz:

O texto de Alex Manente (Cidadania-SP) muda os artigos 102 e 105 da Constituição, acabando com recursos no STJ e no STF. Assim, decisões em segunda instância já seriam consideradas com trânsito em julgado.

Extensão:

Estabelece execução da pena não apenas na área criminal, mas para outras esferas, como cível e tributária. Estão de fora, porém, ramos como trabalhista e o eleitoral.

Tramitação:

Já foi aprovado pela CCJ da Câmara e aguarda análise de uma comissão especial presidida por Marcelo Ramos (PL-AM) e com relatoria de Fábio Trad (PSD-MS).

Possíveis questões:

Juristas divergem se entra em conflito com o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º da Constituição, que é cláusula pétrea e não pode ser alterado.

Senado PL 166/2018

O que diz:

A proposta de Lasier Martins (PSD-RS) inclui no art. 283. do Código de Processo Penal (CPP) a possibilidade de execução provisória de pena determinada por tribunais de segunda instância.

Extensão:

A execução da pena em segunda instância ficaria restrita a processos criminais. Não inclui, portanto, outras esferas, como a PEC da Câmara.

Tramitação:

Deve ser votado na CCJ do Senado na próxima semana, segundo a presidente da comissão, Simone Tebet (MDB-MS). Por não ser PEC, o texto tem tramitação mais rápida.

Possíveis questões:

Já recebeu sinal positivo do presidente do STF, Dias Toffoli, mas há divergência se a mudança no CPP também entraria em conflito com a Constituição.