O Globo, n. 31507, 11/11/2019. Economia, p. 25
 
Fundos de pensão mais flexíveis

Rennan Setti


Para um setor conhecido como previdência fechada, os fundos de pensão nunca foram tão abertos. Pressionadas pelo envelhecimento da população, por mudanças no mercado de trabalho e pela necessidade de diluir seus custos diante de juros tão baixos, muitas entidades iniciaram este ano flexibilização inédita em suas regras de adesão, passando a permitira entra dados familiares de seus participantes. Segundo a Previc, que regula os fundos, já são 14 planos de previdência do tipo e outros seis prontos para sair. A Abrapp, associação das entidades, estima que os novos planos devem atrair 200 mil participantes por ano e ajudar o setor a dobrar o patrimônio para R$ 2 trilhões até 2042.

Na prática, a mudança permite aos fundos disputar com bancos e seguradoras o público que tende a buscar a previdência privada após a reforma do INSS, mas está exigindo uma transformação histórica na cultura e no negócio das fundações.

Os planos familiares eram um desejo antigo do setor, mas havia dúvidas regulatórias sobre eles. Elas se resolveram no fim do ano passado, com o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) interpretando que não havia necessidade de regulação específica e depois que a Abrapp instituiu um modelo de plano familiar que abrange todo o setor.

A modalidade não conta com o principal atrativo dos planos tradicionais dos fundos de pensão: o patrocínio do empregador, que acompanha o participante nos aportes. Mas as fundações acreditam que, por serem sem fins lucrativos, são capazes de cobrar taxas competitivas. Além disso, apostam no retrospecto de rentabilidade — de 2005 a ju-nho deste ano, o setor acumula ganho de 466%, contra 368% da taxa de referência CDI.

— As entidades estão reconhecendo que as empresas estão cada vez menos dispostas a contribuir com a previdência do funcionário. E a própria reforma trabalhista está transformando o emprego tradicional — analisou Antônio Gazzoni, diretor da consultoria Mercer Gama. — A reforma da Previdência é uma oportunidade, já que mexeu com a percepção da população sobre o futuro —completa.

O potencial de crescimento é grande, porque as entidades estão liberando a adesão de pessoas até o terceiro ou mesmo quarto grau de parentesco. A modalidade já foi anunciada por alguns dos maiores fundos do país, como Previ (Banco do Brasil), Valia (Vale) e Real Grandeza (Furnas). A Petros (Petrobras), segundo maior fundo do país, realiza estudos para lançar o seu no segundo semestre de 2020. Funcef (Caixa) e Fapes (BNDES) também avaliam projetos de planos familiares.

Para conquistar os novos clientes, os fundos estão tendo que fazer algo inédito para eles: vender os seus produtos, já que a adesão não virá de forma natural como nos planos patrocinados.

A fundação dos funcionários da Companhia Paranaense de Energia (Copel), por exemplo, reorientou a lógica de remuneração de toda a equipe, passando a baseá-la em metas de venda do novo plano. — Antes, pescávamos em um aquário sabendo onde estavam os peixes. Agora, estamos em mar aberto —comparou Edjair Alves, diretor-presidente da Sebrae Previdência, cujo plano familiar já atraiu 1.267 participantes e R$ 11,3 milhões em oito meses.

O fundo enviou toda a equipe ao Congresso Brasileiro de Vendas, em Campinas, e está treinando os funcionários para obter certificações comuns entre gerentes de banco.

A Funcesp (das empresas de energia do estado de São Paulo), que lançou seu Famil invest em maio, contratou um gerente comercial que tem entre suas funções vender o plano. Além disso, passou a realizar pesquisas com grupos focais, algo inédito no setor, para entender a cabeça de quem está dentro ou fora do plano.

A entidade, que gere planos para empresas como AES Eletropaulo e Companhia Energética de São Paulo (Cesp), é uma das maiores do país, com patrimônio de R$ 32 bilhões. O novo plano teve até agora 400 adesões, e o patrimônio é de R$ 1 milhão.

— É um marco porque o setor está saindo de um grupo fechado e se abrindo para outros públicos. É uma mudança estrutural com potencial de ser significativa no longo prazo — disse o presidente da Funcesp, Walter Mendes, que brincou: — Até então, não tínhamos produto para concorrer com PGB Le poupança. Quem sabe conseguimos incomodá-los?

Programa de milhagemA tecnologia também tem tido papel central nessa estratégia. A Fundação Copel foi uma das pioneiras em planos familiares, lançando o seu no fim de 2017. Desde então, obteve a adesão de 3.700 novos participantes — equivalente a quase metade dos participantes ativos do plano tradicional. Um dos vetores dessa captação foi o aplicativo PrevCash, espécie de programa de milhagem que transforma em aportes no plano familiar um percentual de valores gastos em uma rede de 300 lojistas parceiros. Lançado em agosto de 2018, o programa já acumulou R$ 116 mil em aportes ao plano.

— É como um programa de milhas, mas que funciona de verdade. Os créditos não expiram, pelo contrário: são rentabilizados e viram aposentadoria no futuro — contou Marcos Domakoski, presidente da Fundação Copel, que gere patrimônio de R$ 11 bilhões. — Muita gente adere ao plano familiar só para ter acesso ao PrevCash.

O app é peça-chave da estratégia da entidade para chegar a dez mil pessoas no novo plano. Ela já instituiu também que 3% dos prêmios do segu-ro devida da Copel e da fundação são destinados ao plano familiar por meio do PrevCash e está fechando parceria com uma administradora de cartões de vale-alimentação para integrá-los à plataforma.

Na Previ, maior fundo do país, umas das apostas é o lançamento, nos próximos dias, de um “game” previdenciário digital que conquiste potenciais participantes por meio de educação financeira, contou o diretor de Seguridade, Marcel Barros. Seu plano familiar deve ser lançando em março, e a entidade vai oferecer a adesão 100% digital, por meio do seu app.

De fato, os novos “clientes” são muito mais jovens que os participantes tradicionais, lembrou o diretor superintendente da Valia, Edécio Brasil, o que exige uma comunicação distinta daquela usada para falar com aposentados — muitas vezes baseada em atendimento por telefone ou pessoal. Por isso, um dos focos do fundo de pensão da Vale é promover seu recém-lançado plano familiar por meio de redes sociais. Em apenas duas semanas, houve adesão de 400 pessoas. Há mais 200 em processo de inclusão.

“Antes, pescávamos em um aquário sabendo onde estavam os peixes. Agora, estamos em mar aberto”

Edjair Alves, diretor-presidente da Sebrae Previdência