Título: Política econômica é prioridade
Autor: Ana Maria Tahan, Marcus B. Pinto e Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 11/04/2005, País, p. A3

Governo Lula vai restringir o número de projetos encaminhados ao Legislativo, para dar ênfase aos que tratam de crescimento

Diante da perda do controle na Câmara e da incerteza que ronda também o Senado, o Executivo resolveu colocar em votação apenas projetos essenciais, como a reforma tributária e o marco regulatório do saneamento básico. Suas ações ficarão centradas na condução da política econômica, incentivo às exportações com a finalidade de o país crescer na faixa dos 5% ao ano, investimentos em infra-estrutura, educação, bolsa-família e saúde.

- O mais importante agora é a economia crescer - afirmou José Dirceu, chefe da Casa Civil, a interlocutores.

O Palácio do Planalto está consciente de que sua agenda no Legislativo tem de ser mais estreita, em função dos problemas de articulação política. Por isso, o governo quer mudar o eixo do debate para o lado econômico. E desistiu de tocar neste mandato a reforma trabalhista na Câmara, mesmo que tenha sido uma promessa do dia da posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

A independência do Banco Central é outra proposta que divide o Executivo, pois há o temor que a idéia provoque ainda mais cisão dentro das bancadas, pior até do ocorrido com a polêmica MP 232. Os dois ministros mais influentes, José Dirceu e Antonio Palocci Filho, da Fazenda, discordam de maneira frontal sobre a oportunidade de se enviar o projeto agora.

Enquanto o chefe da Casa Civil quer segurar o texto, o ministro da Fazenda insiste em levar adiante o compromisso de colocar na lei a autonomia já existente na prática da autoridade monetária. Isso pode ser um desastre e criar um desentendimento ainda mais grave no Congresso, avisou Dirceu a Palocci.

Tanto a mudança no aparato das leis que regulam o capital e o trabalho quanto a das novas regras para o BC são atacadas de forma dura pelo PT. O próprio líder da bancada na Câmara, Paulo Rocha (PA), avisou ao presidente Lula e seus principais auxiliares que não há clima para enviar os projetos. Se já era complicado, ficou pior com Severino Cavalcanti na Mesa.

Apesar disso, Palocci amparou-se no PMDB do Senado, que tem 23 senadores, a fim de apresentar o projeto Saneamento. Mesmo sabendo do efeito explosivo que tem o debate em torno da proposição de um novo marco regulatório para o saneamento básico, o presidente Lula pediu que a matéria seja enviada logo à apreciação dos deputados. O cerne do projeto é criar regras claras para que sejam feitas parcerias com a iniciativa privada para levar água potável e tratar esgoto de toda a população num horizonte de 15 anos.

Hoje, segundo o IBGE, 82 milhões de pessoas não têm rede de esgoto e 45 milhões estão sem água potável. A necessidade de investimento é de R$ 178 bilhões em 15 anos, mostra estudo do Ministério das Cidades. Ocorre que sem uma lei clara, dizem empresários de dentro e de fora do Brasil, o dinheiro existente para este setor ficará na gaveta. Só a Caixa Econômica Federal (CEF) tem R$ 7 bilhões com destino para o segmento, além de mais R$ 3 bilhões do Orçamento. O que falta então é a lei de regulação.

Assim, desde Fernando Henrique Cardoso o Legislativo se debate com o tema. O tucano chegou a enviar uma proposta, com a transferência da titularidade dos serviços para os estados. No governo Lula, ministros influentes como Dirceu concordam com esta premissa, vista como a mais moderna e que poderia criar escala, algo atraente ao investidor. Em fase final de elaboração, com a participação da Casa Civil, o texto tende a ser enviado à Câmara ainda neste semestre.

Depois de passar o ano de 2003 todo emperrado na Câmara, o projeto da reforma tributária está em vias de ser levado a plenário como prometeu Severino. Ocorre que não há acordo com os governadores para a unificação do ICMS. Este é o principal ponto da emenda constitucional, como repetiu várias vezes o ministro Palocci.

A oposição se prepara para criar ainda mais barulho. PFL e PSDB encamparam a tese de fatiar a proposta, a fim de votar apenas a mudança no Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que iria de 22,5% para 23,5%.

- É tudo que a oposição sonha - diz o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto, vice-líder da legenda.

- Mas não vai ser assim - afirma o ministro Dirceu.

O Planalto acha absurdo desmembrar o projeto. E pediu que o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), trabalhe junto às bancadas da base de sustentação de Lula para evitar novo fracasso na votação. A simplificação do ICMS tem apoio das empresas e poderia até aumentar a arrecadação. Muitos estados temem, entretanto, que haja perda.

Mesmo diante do impasse, os empresários fazem lobby para que a aprovação seja rápida e neste ano. Todos temem que, com a proximidade da campanha presidencial de 2006, tudo fique para o outro mandato como ocorreu com Fernando Henrique.

Aliás, a tentativa de votar a reforma trabalhista também mobilizou as bancadas de apoio do governo tucano no penúltimo ano da era FHC. Mas a eleição de 2002 encarregou-se de derrubar o projeto no Senado. Lula não quer nem correr este risco e mandou apenas a proposta de mudança da área sindical.

Esta posição sofre ataque direto da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Os empresários fizeram há duas semanas novo encontro, que reuniu lideranças do Congresso, para pressionar o Planalto a mudar de idéia.

- A reforma trabalhista é a que de fato interessa. Por isso, precisa ser discutida junto à sindical - afirmou Armando Monteiro Neto, presidente da corporação.

Mas, pelo visto, nem a boa relação entre o governo e a indústria em outros pontos como a política industrial foi capaz de retirar da gaveta de Lula a reforma da lei que rege as relações entre capital e trabalho do país.