O Globo, n.31.620, 03/03/2020. País. p.04

Orçamento em disputa


Na véspera da sessão do Congresso para decidir sobre os vetos do Planalto ao projeto que dá mais poderes ao Legislativo nos gastos do Orçamento impositivo, governo e parlamentares buscavam saída para acrise. Após conversa a sós como presidente do Senado, Davi Alco lumbre( DEM-AP ), o presidente Bolsonaro delegou a negociação aos ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Paulo Guedes (Economia). Senadores de oposição podem votar a favor dos vetos devido a conflitos regionais e ao temor de concentrar poder na cúpula do Congresso.

Depois do estremecimento causado por declarações do ministro Augusto Heleno e pelo envio de um vídeo pelo presidente Jair Bolsonaro aludindo a manifestações contra o Parlamento, governo e Congresso voltaram a sentar à mesa ontem em busca de um acordo sobre o Orçamento de 2020, o principal ponto de conflito entre os dois Poderes no início do ano. Bolsonaro recebeu o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), no Palácio do Planalto, e delegou aos ministros Luiz Eduardo Ramos (secretaria de Governo) e Paulo Guedes (Economia) a costura de uma saída.

A poucas horas da sessão do Congresso convocada para decidir na tarde de hoje sobre os vetos presidenciais ao Orçamento, porém, nem governo nem os parlamentares envolvidos no debate tinham ao final da noite de ontem segurança sobre o resultado da votação. A dúvida vem do crescimento do número de senadores que se anunciam dispostos a manter os vetos de Bolsonaro, independentemente da tentativa de acordo entre o Planalto e a cúpula do Congresso. Se mantidos os vetos, os parlamentares perderiam a prerrogativa de indicar a ordem de execução de suas emendas, e voltaria também ao governo a prioridade para indicar a alocação de R$ 30 bilhões que, segundo o aprovado pelo Congresso, caberiam ao relator do Orçamento, o deputado Domingos Neto (PSD-CE) (veja mais sobre a disputa pelo Orçamento em infográfico na página 6).

Neste cenário, para evitar uma derrota, uma saída costurada é o apoio do governo e da cúpula do Congresso à manutenção dos vetos de Bolsonaro, sucedida de uma compensação aos parlamentares. Ela viria na forma de um projeto de lei enviado pelo governo, garantindo aos congressistas a prerrogativa de indicar a ordem de execução das emendas, e reservando R$ 15 bilhões para as chamadas emendas de relator.

A movimentação de senadores dispostos a manter os vetos presidenciais ocorreu à margem das negociações entre o governo e os presidentes da Câmara e do Senado. Senadores independentes e até que se declaram de oposição, como Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmaram ser a favor dos vetos. Simone Tebet (MDB-MS) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) são outros que anunciaram a mesma posição. Aliados de Alcolumbre o aconselharam a cancelar a sessão. Um argumento seria que ao menos cinco senadores estão em missão oficial. Para derrubar o veto, são necessários 41 votos no Senado e 257 na Câmara.

O embate é sobre a execução de R$ 46 bilhões do Orçamento. Deste montante, R$ 16 bilhões são emendas parlamentares e têm pagamento obrigatório, enquanto outros R$ 30 bilhões estão inscritos como “emenda de relator”. Projeto enviado pelo governo no ano passado, e aprovado pelo Congresso, determinava que todo este montante passaria a ser executado de acordo com a prioridade indicada pelos parlamentares, incluindo os R$ 30 bilhões que caberiam a Domingos Neto, relator do Orçamento. Bolsonaro vetou os pontos, atendendo à equipe econômica, e negociações foram abertas em busca de um meio termo.

O rompante de Heleno motivou a entrada das redes bolsonaristas no debate e manifestações foram convocadas tendo o Congresso como alvo. Bolsonaro entrou em polêmica ao repassar vídeos convocando para estes atos, ainda que, nas mensagens enviadas por ele, o ataque à instituição não fosse explícito. À frente das negociações pelo Congresso, Alcolumbre decidiu partir para o enfrentamento e convocou a sessão para análise dos vetos para as 14 horas de hoje. A coesão dos parlamentares sobre o tema, porém, não se mostrou tão forte como parecia, especialmente no Senado.

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e considerada independente em relação ao governo, Simone Tebet foi para as redes sociais dizer que votaria pela manutenção do veto. “Não é missão constitucional do Parlamento, em todos os níveis, a execução das ações constantes do Orçamento. O Poder Executivo não tem esse nome por mero acaso”, afirmou.

DESEQUILÍBRIO

A manifestação de outro emedebista trouxe mais otimismo para o Planalto. Renan Calheiros, que faz discurso veemente de oposição, anunciou seu voto pelo Twitter: “Apesar das divergências com o governo de Jair Bolsonaro, votarei por manter o #Veto52. Sem planejamento ou organicidade, carece de lógica a terceirização para o relator. O Orçamento impositivo, lá atrás, foi um avanço. Mas isso que se discute é bem diferente e temerário”.

No Congresso, a movimentação dos senadores foi avaliada por vários prismas. Teria pesado a insatisfação de muito poder ficar nas mãos de Domingos Neto e também de lideranças da Câmara. Há um temor de que haja um desequilíbrio entre as duas Casas. Pesariam ainda conflitos regionais, como o fato de Domingos Neto ser rival político do clã dos Gomes no Ceará e de um dos principais expoentes do centrão, Arthur Lira (PP), ser adversário dos Calheiros em Alagoas.

Mesmo na oposição a Bolsonaro há dúvidas sobre se entregar o poder do Orçamento à cúpula do Congresso é uma boa medida no longo prazo. Parlamentares do PT lembram que a primeira versão do Orçamento impositivo serviu para tirar poder da legenda durante a gestão Dilma Rousseff. Deputados, por sua vez, argumentam que, como negociadores do governo chancelaram o acordo anterior, seria necessário cobrar o cumprimento dos termos acertados. (Amanda Almeida, Bruno Góes, Gustavo Maia, Isabella Macedo, Naira Trindade e Thais Arbex)


Presidente nega ter ‘jogado’ população contra Congresso.
Amanda Almeida 
Bruno Góes 
Gustavo Maia 


 

Em meio ao embate entre Legislativo e Executivo, o presidente Jair Bolsonaro disse ontem, em reunião de cerca de uma hora com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que “nunca jogou a população contra o Congresso”. No encontro no Palácio do Planalto, segundo aliados do senador, Alcolumbre cobrou uma posição do presidente sobre a crise entre os Poderes, que culminou com a divulgação da informação de que Bolsonaro havia compartilhado pelo WhatsApp um vídeo alusivo à manifestação convocada contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Alcolumbre, que estava no Amapá e chegou no domingo a Brasília, foi o único chefe de Poder que não se manifestou sobre o assunto em meio a reações e críticas de parlamentares. Ainda segundo aliados, o presidente do Senado disse a Bolsonaro que ainda não havia se abordado publicamente o tema porque o ocorrido não deveria “ser debatido pelo Twitter”.

O silêncio, completou o parlamentar, lhe causou desgaste político. Alcolumbre foi cobrado por colegas de diferentes colorações partidárias a se manifestar sobre o conflito entre os Poderes, de forma a defender o Senado.

De acordo interlocutores do parlamentar, Alcolumbre pediu a Bolsonaro que a conversa fosse só entre os dois, para que o senador pudesse externar que atitudes como essa não serão mais toleradas. A reunião foi marcada com um telefonema do senador para Bolsonaro na hora do almoço, quando Alcolumbre avisou que iria ao Planalto por volta das 14h. O presidente já tinha uma audiência marcada com o ministro da Economia, Paulo Guedes, no mesmo horário, mas readequou sua agenda. O encontro foi tido como uma conversa “definitiva”, tanto para colocar panos quentes na tensão entre o Executivo e o Legislativo quanto para tratar dos atritos com franqueza.