O Globo, n. 31481, 16/10/2019. País, p. 6

O PSL contra o governo

Bruno Góes
Natália Portinari
Jailton de Carvalho


Horas após o presidente do PSL, Luciano Bivar, ser alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) que investiga candidaturas laranjas em Pernambuco, o partido obstruiu ontem a votação de uma Medida Provisória (MP) do presidente Jair Bolsonaro na Câmara. Em outro gesto de retaliação, a sigla excluiu os deputados Major Vitor Hugo (GO), líder do governo na Casa, e General Girão (RN) da comissão especial que analisa a reforma da Previdência dos militares.

A obstrução à votação da MP 886 durou cerca de uma hora e foi orientada pelo líder do PSL, Delegado Waldir (GO). A MP, que acabou sendo aprovada, trata da reestruturação administrativa da Casa Civil e da Secretaria de Governo.

No plenário, deputados do PSL ficaram perplexos. Além do partido de Bolsonaro, entraram em obstrução PT, PSB, PDT, PSOL e PCdoB.

— O PSL orienta obstrução — disse Waldir, que depois deu um tapinha nas costas do líder do governo.

Segundo Waldir, o motivo foi evitar que deputados do partido levassem falta, já que estavam reunidos na liderança do PSL. Seus aliados, porém, admitem que há um componente de retaliação ao governo.

Investigação

O deputado Filipe Barros (PSL-PR), que apoia Bolsonaro, criticou a atitude. Entre os dissidentes do PSL, a obstrução foi interpretada como um recado ao governo.

— Esse tipo de coisa é infantil,é ridícula. Típica departido de centro—disse Barros.

Questionados obre a decisão de retirar deputados bolsonaristas da comissão que debate a reformados militares, Waldirdiss eque o PS L“que estava lá” não estava defendendo bema base do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Na manhã de ontem, agentes da PF vasculharam endereços ligados a Bivar, entre eles sua residência e uma gráfica usada na campanha de 2018. A operação foi autorizada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE). Inicialmente, a juíza Maria Margarida de Souza Fonseca, da 6ª Zona Eleitoral, rejeitou os pedidos dos investigadores. A Procuradoria Regional Eleitoral recorreu ao tribunal e, por seis votos a um, obteve autorização para seguir em frente com a investigação. A Justiça Eleitoral decretou o sigilo das investigações.

Bivar é investigado pelo suposto uso de três candidatas laranjas, nas eleições do ano passado em Pernambuco, com o objetivo de desviar dinheiro público do fundo eleitoral. As três candidatas a deputada pelo PSL receberam R$ 778 mil do fundo eleitoral e obtiveram apenas 3.303 votos, segundo a prestação de contas à Justiça Eleitoral.

“As medidas de busca e apreensão, deferidas pelo TRE/PE, visam esclarecer se teria havido burla ao emprego dos recursos destinados às candidaturas de mulheres, tendo em vista que ao menos 30% dos valores do Fundo Partidário deveriam ser empregados na campanha das candidatas do sexo feminino, havendo indícios de que tais valores foram aplicados de forma fictícia objetivando o seu desvio para livre aplicação do partido e de seus gestores”, afirmou a PF, em nota.

Bivar e outros dirigentes do PSL de Pernambuco são investigados pela suposta prática de caixa dois e apropriação de recursos eleitorais.

A defesa de Bivar disse que a situação está fora de contexto, que o inquérito se estende há dez meses, já foram ouvidas diversas testemunhas e que não há indícios de fraude no processo eleitoral. “A busca é uma inversão da lógica da investigação, vista com muita estranheza, principalmente por se estar vivenciando um momento de turbulência política”.

As supostas laranjas seriam Maria de Lourdes, Erica Siqueira e Mariane Nunes. A primeira recebeu R$ 400 mil e teve 274 votos. Erica foi destinatária de R$ 250 mil e obteve 1.315 votos. Mariane foi contemplada com R$ 128 mil e amealhou apenas 1.714 votos.

Novo argumento

A operação da PF ocorreu em meio à crise entre o PSL e Bolsonaro, que ameaça deixar a sigla por desavenças sobre o fundo partidário e o controle da legenda. Ontem, a executiva nacional do PSL divulgou nota informando que não vai responder à solicitação de Bolsonaro de uma auditoria nas contas do partido por ainda não ter recebido um documento oficial. A nota conclui afirmando que “os excessos cometidos contra o partido serão devidamente apurados para adoção das medidas cabíveis.”

Integrantes do Palácio do Planalto ouvidos pelo blog da jornalista Andréia Sadi, do G1, admitem que usarão a operação contra Bivar para reforçar suspeitas de irregularidades no PSL. Governistas, contudo, se preocupam com o “tratamento diferenciado” ao ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG). Ele também é investigado por suposto uso de candidaturas laranjas.

O Ministério Público Eleitoral afirmou que as buscas em endereços de Bivar não têm relação com as disputas entre dirigentes do partido e Bolsonaro. “A investigação ocorre há meses e não tem relação alguma com divergências partidárias noticiadas pela imprensa nas últimas semanas, muito menos teve interferência de órgãos ou autoridades estranhas ao Ministério Público Eleitoral, ao Departamento de Polícia Federal e à Justiça Eleitoral”, diz nota divulgada pela Procuradoria Regional Eleitoral de Pernambuco. O líder do PSL na Câmara classificou como um “circo” a operação da PF.

— É um inquérito de oito meses. Eu sou delegado de polícia. Se estou montando um conjunto de provas, e você tem situações suspeitas, você não vai fazer uma busca e apreensão dez meses depois de iniciada a investigação. Aí é circo —disse Waldir.