O Globo, n.31.619, 02/03/2020. Mundo. p.19

Posse no Uruguai

Janaína Figueiredo

 

Em seu discurso de posse, ontem, o novo presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, pregou a defesa da democracia e disse estar ciente dos desafios que o país enfrentará nos próximos tempos e, também, o resto da região. Ele recebeu a faixa presidencial de Tabaré Vázquez, que se despediu do cargo aplaudindo seu sucessor. Nos bastidores, Lacalle Pou evitou polêmicas e tentou se distanciar do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, um dos principais convidados internacionais para a cerimônia.

—A democracia é construída pelos que votam acada cinco anos elegendo de forma livre e soberana. Também é construída pela imprensa, por movimentos sociais, professores, intelectuais e agentes culturais. Pelos militares que cumprem suas funções em estrito respeito ao poder civil. Somos inquilinos do poder, inquilinos transitórios, somos empregados da cidadania — frisou o novo presidente do Uruguai, que prestou juramento no Parlamento ainda presidido pelo ex-presidente e senador José Pepe Mujica.

Segundo a televisão uruguaia, Bolsonaro foi recebido por um misto de vaias e aplausos quando saiu do Parlamento. Além do brasileiro, compareceram à posse o chileno Sebastián Piñera, o colombiano Iván Duque e o paraguaio Mario Abdo Benítez. Os líderes da Venezuela, Nicolás Maduro, de Cuba, Miguel Díaz-Canel, e da Nicarágua, Daniel Ortega, não foram convidados.

IDEOLOGIA DE LADO

Líder de uma coalizão de cinco partidos de centro-direita, o novo chefe de Estado tem defendido a necessidade de união entre os uruguaios e busca de consensos.

— Na democracia, os governos são eleitos, cobrados e trocados pelo povo. A base fundamental é uma cidadania comprometida e responsável —afirmou, no discurso de posse, ontem.

Um dia antes, quando questionado sobre o presidente brasileiro, Lacalle Pou disse preferir “deixar os aspectos ideológicos internos de cada país fora das relações para que a região possa avançar”. Se durante a campanha ele se afastou de Bolsonaro, ao dispensar o respaldo do brasileiro, hoje Lacalle Pou mantém uma posição cautelosa e até se incomoda quando é perguntado sobre a atual realidade brasileira:

—Não me compete opinar sobre temas internos do Brasil. Se conseguirmos deixar a questão ideológica interna fora da discussão e ver aspectos em comum entre os países da região, não tenho dúvidas de que vamos avançar — declarou o presidente em entrevista ao GLOBO, durante um evento organizado pela base rural do Partido Nacional, que conquistou, com ele, a quarta Presidência num período de cem anos.

No discurso de posse, ontem, ele lembrou que, desde a redemocratização do Uruguai, em 1985, oito presidentes passaram pelo Executivo e cumpriram seus mandatos. O novo presidente — o primeiro de centro-direita em 15 anos — também admitiu que a crise econômica colocou o país em estado de “emergência” e disse que a sociedade espera a união dos políticos uruguaios para enfrentar o difícil momento.

Em matéria de política externa, pregou a defesa do Mercosul e sua flexibilização. Por último, prometeu medidas em matéria de segurança, educação e meio ambiente. No sábado, Lacalle Pou disse que considera prioritário o vínculo com o Brasil, segundo sócio comercial mais importante do Uruguai.

— Vamos viver momentos cruciais, entre outros a ratificação final do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE), e acredito que existe uma possibilidade de flexibilizar o Mercosul. Torná-lo mais forte, mas também mais flexível. O presidente do Brasil já falou sobre isso — assegurou o novo presidente.

AUSÊNCIA ARGENTINA

Questionado ainda sobre a resistência da Argentina do peronista Alberto Fernández — que não foi ao país vizinho porque fez ontem seu discurso anual ao Congresso — e de seus aliados kirchneristas em abrir a economia interna e, também, o Mercosul, Lacalle Pou, mais uma vez, evitou atritos com um governo vizinho:

—Não vou opinar sobre isso. Tendo a ser otimista, e cada país tem seus processos internos, eles não devem ser discutidos.

Para o uruguaio, o importante, no discurso, é que Brasil e Argentina cresçam, porque assim, assegurou, “nossas chances de crescer são maiores”.

— São dois países dos quais somos muito dependentes. O Brasil é nosso segundo sócio comercial, entre outras coisas, e aspiramos a que seja cada vez mais sócio — disse o novo presidente do Uruguai.

Em conversas informais, seus ministros e assessores confirmam o que sua atitude pública demonstra: interesse em acordos econômicos e não em alinhamentos políticos ou pessoais.

— Poderemos até ter uma relação ótima com Bolsonaro, mas temos de ser cuidadosos porque ganhamos por uma margem muito estreita (37 mil votos) e precisamos consolidar nosso respaldo no centro — admitiu um futuro ministro do novo governo.

“Na democracia, os governos são eleitos, cobrados e trocados pelo povo. A base fundamental é uma cidadania comprometida e responsável” 

Lacalle Pou, presidente uruguai