O Globo, n. 31506, 10/11/2019. Rio, p. 15

Milícias impõem regras próprias


A ameaça pichada no muro da Estrada da Boiúna, na Taquara, expõe o nível da violência em regiões dominadas pelas milícias no Rio: “lixo no chão, tiro na mão”. Essas áreas sofrem menos restrições no que diz respeito a entregas dos Correios e circulação de carros de aplicativos, mas, por outro lado, têm duros limites impostos por paramilitares para evitar concorrência nas atividades que exploram clandestinamente, como a venda de gás e de água mineral e de serviços de TV a cabo e internet.

No Tanque, moradores dos morros da Covanca e da Caixa D’Água contam que só podem comprar botijões de gás autorizados por milicianos, que se juntaram ao tráfico. Os bandidos ganham no monopólio e no preço: R$ 78, contra os R$ 60 cobrados por distribuidoras legalizadas.

— Se quiser comprar fora, tem que levar o botijão escondido, para não sofrer represália — conta um morador.

Num depósito fora das comunidades, em Jacarepaguá, um comerciante define: a Covanca é uma “área fechada” pelos criminosos.

— No Tanque, só fazemos entregas num lado da Avenida Geremário Dantas. Do outro, em direção à Covanca, não pedindo para não ser identificado.

Já na Gardênia Azul, há denúncias de uma espécie de Uberda milícia. O jugo dos milicianos recai, inclusive, sobre linhas de ônibus, um serviço concedido pelo município.

No Vilar Carioca, em Inhoaíba, ônibus só circulam na primeira quadra do loteamento. O sindicato Rio Ônibus reconhece que o problema é grave na Zona Oeste, onde rodoviários são ameaçados. “A atuação das milícias na Zona Oeste dificulta o trabalho das empresas. Na área mais populosa da cidade, a operação de ônibus está perto do colapso”, diz o sindicato, acrescentando que, desde 2014, cinco empresas fecharam as portas na região.

As 22 estações do BRT Transoeste fechadas na Avenida Cesário de Melo, de Santa Cruza Campo Grande, são um retrato do quadro de insegurança da Zona Oeste. A violência faz com que um investimento milionário esteja inutilizado desde maio de 2018.

Tiroteios e ameaças

Já em Cordovil, na Zona Norte, o Rio Ônibus afirma que são os traficantes que impedem a circulação dos coletivos. “O serviço, infelizmente, teve que ser interrompido na região em virtude de cobranças ilegais feitas pelo poder paralelo”, informa.

Outras concessionárias vivem intimidações parecidas. Só a Light tem 238 áreas de risco mapeadas, onde estão cerca de 714 mil de seus clientes (20% do total). “Agressões físicas, sequestros e ameaças de morte são exemplos da violência vivida, diariamente, pelos funcionários e prestadores de serviços”, informa a empresa, que calcula prejuízos de R$ 9 milhões de 2018 a meados de 2019 com a troca de 500 transformadores de energia destruídos em tiroteios.

Entre o fim de abril e o início de maio, a Light relata ter sido várias vezes impedida pelo tráfico de fazer reparos no Morro Dona Marta, em Botafogo. Já a Naturgy (antiga CEG) registrou este ano sete ocorrências com técnicos da empresa, seis delas em Cordovil. Entre os crimes registrados estão ameaças, tentativas de extorsão e roubos de veículos.

Os Correios, por sua vez, não fornecem oficialmente a relação completa de bairros com restrições, por motivos de segurança. Mas explica que as regiões são estabelecidas com base em mapas de risco fornecidos pelos órgãos públicos e na incidência de delitos contra carteiros.