Título: Quanto podemos crescer em 2005?
Autor: Alberto Furuguem*
Fonte: Jornal do Brasil, 11/04/2005, Economia & Negócios / Além do Fato, p. A18

O presidente Lula diz acreditar que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro crescerá mais do que 5% em 2005. Trata-se, em princípio, de uma projeção otimista sobre o desempenho da economia, o que é positivo, quando revela a visão manifestada por um chefe de governo. Na década dos 50, o presidente Juscelino Kubitschek tinha como slogan: "50 anos em 5". Com isso, empolgava os brasileiros em geral. Também era um período em que o PIB crescia a um ritmo médio de 7% ao ano, a inflação era relativamente baixa e não havia, ainda, o fenômeno da violência urbana, que tanto nos incomoda atualmente. Naquele tempo, era mais fácil, certamente, criar um clima de otimismo sobre o futuro.

Se aos chefes de governo cabe contribuir para gerar otimismo sobre o amanhã, aos analistas de cenários cumpre esforçar-se para serem mais realistas, buscando minimizar os erros de avaliação e dos prognósticos, que mesmo assim serão inevitáveis.

Para melhor nos situarmos sobre o cenário da economia brasileira neste momento e suas perspectivas de médio prazo, vamos apresentar nossa versão sobre o que aconteceu no mundo e no Brasil em 2004 e sobre o que nos parece mais provável que ainda venha a ocorrer em 2005.

O que aconteceu em 2004? - Nos primeiros meses de 2004 temia-se por uma recessão na economia americana, o que não se confirmou. Ao contrário, a dos EUA, com seu PIB superior a US$ 10 trilhões, chamada de locomotiva planetária, acabou crescendo cerca de 4,3 %, acima, portanto da sua média histórica. A inflação ficou relativamente bem comportada para os padrões americanos, situando-se no intervalo de 2% a 3% ao ano, permitindo que o Fed (o Banco Central) mantivesse os juros em níveis extremamente reduzidos. Os juros reduzidos (negativos na verdade) foram, aliás, o principal fator por trás do crescimento da economia dos Estados Unidos, em 2004, sobretudo pelo seu efeito sobre as atividades ligadas à construção e às vendas de habitações.

A economia da zona do euro, a moeda única, com seu PIB da ordem de US$ 8 trilhões, cresceu cerca de 1,8% no ano passado, o que significou uma grande melhoria em relação ao ano anterior, quando estivera praticamente estagnada, com crescimento em torno de 0,4%.

A economia japonesa cresceu cerca de 3%, um desempenho bastante favorável para os padrões observados naquele país nos últimos anos. A taxa de desemprego no Japão caiu para 4,4%, em dezembro de 2004, significativamente menor que os 4,9% de um ano antes.

Os países emergentes da Ásia, com destaque para a China, mantiveram, em 2004, acelerado ritmo de expansão, com taxas de crescimento do PIB que variaram entre 5 e 10%. Os números da economia chinesa impressionam: seu PIB, calculado pelo critério de "paridade de poder de compra" (uma melhor forma de se medir o tamanho de uma economia) já ultrapassa US$ 6 trilhões. É, portanto, de fato, o segundo maior do planeta, somente superado pelo dos Estados Unidos. O PIB da China cresceu cerca de 9,5%, em 2004, mantendo o acelerado ritmo que já dura cerca de duas décadas e que sugere que o país poderá tornar-se a maior potência econômica do mundo em prazo não muito longo. Não estamos falando, naturalmente, em padrão de vida, que na China tem melhorado rapidamente, mas que ainda é muito baixo, na comparação com os países desenvolvidos.

Ao longo de 2004, as projeções sobre o crescimento da economia mundial foram sistematicamente revistas para cima e o PIB mundial acabou crescendo cerca de 5%, a maior taxa dos últimos trinta anos.

Nesse cenário tão favorável seria quase impossível a economia brasileira andar em ritmo muito diferente da média mundial. Na realidade, depois de ficar praticamente estagnada em 2003, nossa economia foi praticamente "arrastada" pela corrente da economia mundial. Não parece exagero dizer isto, pois o que fizemos foi manter acionados e até reforçar os freios que impedem um crescimento mais acelerado da produção e do emprego em no País: alta taxa de juros, carga tributária elevada (e em elevação) e ineficiente, infra-estrutura deficiente e em deterioração etc.

Não tivemos nenhum mérito especial em crescer 5,2%, em 2004. Muitos países emergentes cresceram mais do que a economia brasileira no mesmo período: Chile (5,7%), Rússia (6,8%), Polônia (5,6%), Turquia (8,1%) e Índia (6,7%). Se fizermos a média dos anos 2003/2004, a posição brasileira é ainda mais desconfortável: o crescimento médio não passou de 2,5%, uma taxa absolutamente medíocre e que já dura duas décadas.

Qual será o crescimento em 2005? - O que estamos vendo, neste momento? O ritmo de crescimento da economia mundial já passou pelo patamar de 5% e está rodando a uma velocidade em torno de 4% desde o último trimestre do ano passado.

Estimativas feitas pela revista The Economist, baseadas em 52 países, que representam cerca de 90% do PIB mundial (calculado pelo critério de paridade de poder de compra), indicam que a economia do planeta, depois de atingir um pico de crescimento de 5,2% nos primeiros dois trimestres de 2004, reduziu seu ritmo para 4,6% no terceiro e para 4,2% no quarto. A economia mundial já caminha, portanto, para um ritmo que pode ser considerado normal, lembrando que o crescimento de 2004 foi uma exceção à regra.

As previsões para o crescimento da economia americana, disponíveis até meados de março, sugeriam um crescimento em torno de 3,5%, em 2005, bem mais modesto que os 4,3% do ano anterior. Com os problemas macroeconômicos enfrentados pelos Estados Unidos, como o grande déficit público e o grande déficit na conta corrente (do balanço de pagamentos), não será surpresa se as previsões sobre seu crescimento forem revistas para baixo nos próximos meses, até porque os juros, embora ainda reduzidos, estão em rota de elevação pelo Fed.

Na zona do euro, a moeda única, valorizada, não deixa espaço para um desempenho econômico favorável. As previsões de crescimento de cerca de 1,6% do seu PIB, em 2005, disponíveis no primeiro trimestre, provavelmente serão revistas para baixo. A capacidade competitiva dos países da União Monetária Européia é prejudicada por sua moeda valorizada, levando a uma desaceleração das atividades econômicas na região. Além disso, a inflação está elevada na zona do euro, para os padrões da União Monetária Européia, o que leva o Banco Central Europeu a aumentar sua taxa básica de juros, em consonância com o que vem fazendo o Fed, sob comando de Alan Greenspan, nos Estados Unidos. Isso aponta para desaceleração no ritmo de crescimento da atividade econômica.

A economia japonesa, depois de um crescimento de 3%, em 2004, já se encontra em ritmo bem mais moderado: poderá crescer a uma taxa próxima de 1,5%, em 2005, a metade da do ano anterior.

As exceções de praxe continuam sendo as economias emergentes da Ásia, com taxas de crescimento entre 4% e 8% projetadas para 2005. Mesmo que essas previsões se confirmem, o crescimento deverá ser menor que o observado em 2004. São elas as que desfrutam de situação mais confortável na comparação internacional: crescimento acelerado, baixa inflação e reservas cambiais elevadas e em expansão. As reservas cambiais da China chegavam a US$ 609,9 bilhões, em dezembro de 2004. Em janeiro, as reservas cambiais eram de: US$ 124,7 bilhões, em Hong Kong (o ex-protetorado britânico manteve sua autonomia econômica e é denominado Região Administrativa Especial pelo governo de Pequim); US$ 112 bilhões, em Cingapura; US$ 199,6 bilhões, na Coréia do Sul; US$ 242,7 bilhões, em Taiwan; e US$ 123,7 bilhões, na Índia. Essas seis economias emergentes detêm, portanto, cerca de U$ 1,4 trilhão de dólares de reservas cambiais, que estão em elevação. Elas aprenderam com o susto da chamada "crise asiática" de 1997 e parecem adotar a estratégia do tipo: "reservas cambiais, quanto maior melhor". Desenvolvimento baseado em educação, tecnologia e exportações é uma estratégia que tem dado certo, o que faz da região o pólo mais dinâmico da economia mundial já há muitos anos.

Como fica o Brasil nesse cenário? - Antes de mais nada, não estamos com essa bola toda, como, com freqüência, parece querer sugerir a forma como são divulgadas as informações econômicas no Brasil.

Nosso PIB cresceu igual ao da média mundial em 2004, mas abaixo da média se tomarmos um período maior. Se formos confrontados com a maioria dos países emergentes, nosso desempenho fica ainda mais modesto.

Nossas exportações cresceram rapidamente em 2004 e batemos recordes de superávit na balança comercial, mas isso não aconteceu somente no Brasil. Muitos países emergentes, inclusive da América do Sul, tiveram resultados iguais ou melhores.

O PIB brasileiro poderá crescer 5% ou mais em 2005, como parece acreditar o presidente Lula? Isso não é impossível, embora pareça improvável. O PIB mundial não deverá crescer, em 2005, ao mesmo ritmo de 2004, segundo todas as evidências estatísticas já disponíveis. Não podemos contar, portanto, com a mesma ajuda que tivemos da conjuntura internacional no ano passado.

E o que estamos fazendo, nós mesmos, para buscar o crescimento acelerado e sustentado da economia? Pouco, ou quase nada. Estamos com os juros ainda mais elevados do que tínhamos no ano anterior, limitando as possibilidades de investimentos. Continuamos a brilhar no campeonato mundial dos juros altos, o que sinaliza que temos profundos problemas estruturais ainda por serem equacionados. Estamos batendo novos recordes de carga tributária, asfixiando ainda mais os contribuintes. Estamos aumentando os gastos públicos administrativos, na contramão do que seria desejável e limitando os gastos públicos destinados à melhoria da infra-estrutura econômica e social, o que seria fundamental para melhorar as condições para a atividade empresarial.

A nossa taxa de desemprego está em queda, mas ainda é extremamente elevada. Os trabalhadores mais experientes, ou os jovens recém-saídos das universidades, continuam a enfrentar dificuldades para encontrar emprego e os salários reais continuam deprimidos. Eles devem ter dificuldade de entender o noticiário da imprensa que mostra tantos empregos sendo criados. Devem estar se perguntando: o que tem de errado comigo, que não consigo o meu emprego? É que, de fato, há uma grande distância entre a imagem que se procura criar e a realidade.

A maioria dos empresários também deve ter dificuldade para entender o que está acontecendo. Lucros impressionantes vêm sendo apresentados pelos balanços de muitas empresas, principalmente as exportadoras, mas na maioria dos casos, a situação das empresas não é tão confortável assim. Em geral houve uma melhoria, o que é natural, diante do crescimento do PIB ocorrido no último ano.

A pergunta crucial, entretanto, é: como serão os próximos meses e os próximos anos? Se a economia continuar a crescer, é certo que a maioria dos trabalhadores assalariados e a maioria das empresas acabará sentindo o benefício do desenvolvimento sustentado.

O crescimento sustentado, entretanto, não é algo que esteja assegurado. O que tivemos em 2004 foi um grande impulso vindo de fora. O nosso crescimento futuro, entretanto, dependerá principalmente do nosso trabalho. A conjuntura internacional poderá ajudar ou atrapalhar, conforme as circunstâncias.

Os problemas cruciais da economia brasileira são conhecidos. Não é preciso ser especialista, nem estudioso do assunto. Basta ter um pouco de bom senso. Se não trabalharmos intensamente para criar um ambiente mais amigável para os investimentos será difícil, senão impossível, equacionarmos os graves problemas sociais que nos desafiam.

Se vamos crescer 3% ou 4% ou mesmo 5% em 2005, não nos parece a questão mais relevante. O fundamental é criar as condições para um crescimento sustentado no longo prazo. As condições que temos no momento, é óbvio, deixam a desejar. Se as previsões para nosso crescimento em 2005 forem sendo revistas para baixo, não será surpresa. Surpresa será se tivermos crescimento sustentado e acelerado com os grandes e conhecidos entraves que temos.

Se com a carga tributária tão elevada e ineficiente, com a deficiente qualidade da infra-estrutura econômica e social, formos capazes de crescer 4% a 5% ao ano, é porque nosso potencial é de 7% a 8%, como, aliás, já o foi no passado. Basta arrumar um pouco melhor a casa. Não há razão para não pôr em ordem o ambiente econômico e social do Brasil. Os benefícios serão altamente compensadores.

*Economista do Ibre, da FGV-RJ (furuguem@furuguem.com.br)