O Globo, n. 31530, 04/12/2019. Economia, p. 15

Atividade econômica: retomada ganha fôlego

Cássia Almeida
Gabriel Martins
Pedro Capetti


A economia brasileira avançou no terceiro trimestre com mais força, de acordo com o Produto Interno Bruto (PIB), divulgado ontem pelo IBGE. O crescimento de 0,6% frente aos três meses anteriores foi acima do esperado pelos analistas e indica que o país avança em um ritmo mais acelerado do que no primeiro semestre, puxado pelo consumo das famílias e por investimentos do setor privado. Um crescimento sustentado depende agora da recuperação do mercado de trabalho e do andamento das reformas, alertam especialistas.

Diante dos números melhores e das revisões que o IBGE fez nos dados, corrigindo o desempenho do PIB de 1,1% para 1,3% em 2018, bancos e consultorias já esperam alta acima de 2% da atividade econômica no ano que vem.

O consumo das famílias cresceu acima do PIB (0,8%), impulsionado pelo aumento do crédito, pela liberação do FGTS e pela criação de vagas, a maioria ainda informais — mais de 41% dos trabalhadores estão em ocupações sem carteira assinada. Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que a demanda interna vai continuar mantendo a alta do PIB, de forma gradual:

— A economia brasileira segue dando sinais de melhora, embora ainda de uma forma gradual e com bastante influência do consumo das famílias. O início do saque das contas do FGTS, em setembro, contribuiu para o resultado positivo deste trimestre. O mercado de trabalho, embora gerando vagas em grande parte informais, também mostra sinais de recuperação. A demanda interna está se recuperando, mas ainda de forma insuficiente para um crescimento maior neste ano.

Construção reage

No ano, o país ainda caminha de lado. O crescimento de janeiro a setembro é de 1%, mas o último trimestre deve ser melhor. O Itaú prevê alta de 0,7%, o que não deve ser suficiente para fazer o crescimento em 2019 ser maior do que em 2018. Deve ficar em 1,2%.

— As perspectivas são positivas. Salvo algum choque adicional, a tendência é de um crescimento maior no ano que vem. O mercado imobiliário está reagindo com a volta da confiança, o mercado de trabalho vem melhorando, os juros estão mais baixos e os dados de agronegócio indicam melhora em 2020. É um conjunto de elementos que vai ajudar o crescimento, que já foi mais consistente e disseminado — afirma Sergio Vale, economistachefe da MB Associados.

O consumo das famílias acumula alta de 1,7% nos últimos quatro trimestres, bem acima do 1% do PIB. O crédito explica esse desempenho melhor, com alta de 15,5% nas operações de crédito no terceiro trimestre:

— O crédito imobiliário começou a crescer, expandindo o setor, estimulando o investimento, e deve crescer mais no ano que vem. Essa recuperação mais forte veio pelo crédito — afirma Luka Barbosa, economista do Itaú.

A queda da taxa básica de juros de 14,25%, em 2016, para os atuais 5% explica essa expansão, inclusive dos investimentos, que subiram 2% frente ao período de abril a junho, mas permanecem respondendo pela mesma parcela da economia de 2018. A taxa de investimento ficou em 16,3%, a mesma do ano anterior:

— Com idas e vindas, temos o investimento crescendo mais do que o consumo. O problema é que vai demorar para voltar a níveis razoáveis. Para começar a pensar em crescimento de modo sustentável, próximo a 3%, tínhamos que ter taxa de investimento de 20% do PIB — ressalta Luís Otávio Leal, economista-chefe do banco ABC.

A construção civil, que responde por cerca de metade do investimento, reagiu nesse semestre. Sobe há dois trimestres, depois de cinco anos de queda. Mas somente a construção residencial avança. Na infraestrutura, o quadro é de estagnação. As concessões do governo na área só devem ter efeito em 2021, na projeção de Barbosa, do Itaú:

— As concessões devem aumentar o PIB em 0,1 ponto percentual em 2020 e em 0,3 ponto percentual em 2021. O efeito será pequeno no ano que vem.

Gesner de Oliveira, sócio da Go Associados, afirma que o crescimento no terceiro trimestre foi ancorado pela expansão do consumo das famílias e também pela construção civil:

— Isso indica um novo patamar, com perspectiva de aceleração da recuperação, mas coma ressalva de que o mundo pode ser um obstáculo. A liberação do saldo do FGTS e o décimo terceiro do Bolsa Família ajudam o consumo, colocam mais recursos na economia.

Já o setor externo fez a economia crescer menos no terceiro trimestre. As exportações caíram 5,5%, com o mundo crescendo menos — reflexo da guerra comercial entre Estados Unidos e China —, a recessão na Argentina e as turbulências políticas na América Latina. As importações mostraram alguma recuperação, subindo 2,2%.

A indústria continuou fraca. A alta de 0,8% reflete apenas o desempenho da construção civil e da extração de petróleo, que subiu 12% somente em um trimestre. Na indústria de transformação, que exclui esses setores, a queda é de 1%.

Governo consome menos

O presidente Jair Bolsonaro comentou o resultado do PIB, logo após o IBGE divulgar os dados pela manhã. Ele afirmou que a equipe econômica projeta novo crescimento no quarto trimestre.

— Sabíamos que viria uma boa notícia. E ela veio em uma boa hora. A minha equipe econômica, a nossa equipe econômica, é de todos vocês, diz que a previsão para o próximo trimestre é crescer. O Brasil está crescendo.

O Ministério da Economia, em relatório, afirmou que a desaceleração da economia “ficou para trás”. A equipe econômica atribui o número positivo à liberação de saques das contas do FGTS e ao plano de ajuste nas contas públicas. A expectativa do governo é que os efeitos dessas ações continuem em 2020.

“Os efeitos dessas medidas se propagarão para 2020, e o PIB do setor privado continuará acelerando, confirmando um crescimento substancialmente superior ao observado nos últimos anos. O Natal de 2019 deverá ser o melhor dos últimos anos”, conclui o relatório da Secretaria de Politica Econômica.

O ajuste nas contas públicas fez o PIB crescer menos. O consumo do governo, que responde por 20% do PIB, caiu 0,4% no trimestre, segunda queda seguida. Nos últimos 12 meses, o recuo foi de 0,8%.

Mesmo com o resultado menor do governo, os números melhores que o esperado provocaram uma onda de revisões nas estimativas para o PIB este ano e no próximo. As previsões para 2019 subiram de 1% para 1,2%. As de 2020 ficaram acima de 2%.

David Beker, do Bank of America Merrill Lynch, acredita que o crescimento do Brasil passará de 1% em 2019, podendo chegar a 2,4% no ano que vem e a 3,5% em 2021:

— O Brasil é um dos poucos que estão avançando nas reformas estruturais. Qualquer progresso neste sentido é fator de diferenciação. O Brasil tem chance de brilhar mais do que os outros países da América Latina.

Expansão em 2020 depende de andamento de reformas

Com os resultados positivos do PIB no terceiro trimestre deste ano, as expectativas sobre o desempenho da economia em 2020 seguem otimistas. Analistas projetam que o país tem chances de registrar um crescimento de 2% ou mais no próximo ano. Entretanto, dois fatores podem pôr em risco o movimento de expansão da economia, na opinião de especialistas: o cenário externo, com destaque para a instabilidade em países da América Latina, e a demora no andamento da agenda de reformas do governo.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, destaca que, embora a Previdência tenha sido aprovada, outras reformas importantes ficaram para trás, o que gera desconfiança e, consequentemente, afasta investidores:

— O Brasil conseguiu reformar a Previdência, mas outras agendas econômicas, como a reforma tributária e o Pacto Federativo, ainda estão nos debates iniciais ou sequer foram esquematizadas. Além disso, ainda há atritos entre Executivo e Legislativo. Tudo isso gera desconfiança no investidor.

O diretor de Macroeconomia do Ipea, José Ronaldo Júnior, afirma que “a princípio, o crescimento veio para ficar”, mas é importante dar continuidade às reformas:

— As reformas econômicas são essenciais para um ambiente positivo para consumo e investimento. Temos um problema fiscal grave e precisamos melhorar a nossa competitividade.

Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho, acredita que os protestos nos países vizinhos foram vistos como um sinal de alerta e contribuíram para que o governo não apresentasse outras reformas ainda este ano:

— As manifestações na América Latina têm certa influência no fato de o governo deixar as outras reformas econômicas para o próximo ano.

Silvia não descarta as dificuldades que o país tende a enfrentar, mas acredita que o Brasil tem capacidade para superar adversidades e crescer mais.

— O Brasil tem todos os mecanismos para ultrapassar estas barreiras e crescer ainda mais em 2020. Entretanto, para isto, terá de empregar mais esforços, uma vez que o cenário externo sempre contamina a economia — conclui Silvia.