Título: ''As ameaças continuam no Pará''
Autor: Maria Joel da Costa
Fonte: Jornal do Brasil, 10/04/2005, País, p. A2
O rosto tem as marcas da batalha. Na voz, mansa, os sinais de cansaço. Mas para a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, Maria Joel da Costa, de 41 anos, a luta pelos direitos dos trabalhadores rurais não pode parar, nem com as sucessivas ameaças de morte. Eleita em 2002, sua fonte foi o sangue do marido. No dia 21 de novembro de 2000, seu companheiro, José Dutra da Costa, então presidente do sindicato que hoje ela lidera, foi assassinado na porta de casa, com três tiros. Cinco anos depois, o executor Wellington Silva é o único preso. Nesta semana, Maria Joel, mais conhecida como Joelma, deixou sua casa em Rondon do Pará, onde mora com três dos quatro filhos e veio ao Rio pela primeira vez. Ao longo de sete dias, participou de palestras com o Frei Henri des Roziers em algumas das principais universidades o estado: UFRJ, UFF, Rural e PUC-Rio. ¿É muito boa essa troca de experiência, quando uma trabalhadora rural pode estar passando sua mensagem para estudantes.¿ Ontem, ela voltou para Rondon. Na bagagem, o título de cidadã do Estado do Rio de Janeiro recebido na sexta-feira.
Agora, Joelma está de volta à dura rotina de ser acompanhada permanentemente por um policial. Nesta entrevista ela analisa a disputa das terras no Pará, as mudanças após a morte da Irmã Dorothy e revela a grande decepção após 2 anos de governo Lula. ¿A desilusão é grande. Mortes acontecem, não são resolvidas e as ameaças continuam.¿
¿ Qual a situação das disputas de terra hoje no Pará?
¿ Vivemos uma fase muito tensa. Porque de um lado estão os trabalhadores que não tem terra e fazem as ocupações, do outro está o grande latifundiário. Ainda temos o conflito, ameaças de morte e temos muitos trabalhadores que já morreram, mesmo antes do Dezinho. Veio o Dezinho, a testemunha do Dezinho. No ano passado, foi o tesoureiro do sindicato, o Ribamar Francisco do Santos, e as ameaças continuam em todo o estado. Além de mim, tem vários companheiros ameaçados. Ainda estamos numa grande disputa porque a reforma agrária ainda não avançou.
¿ Como são as ameaças que a senhora recebe?
¿ Vários recados, telefonemas, bilhetes chegaram para mim, além de pessoas que me avisam para eu ter bastante cuidado porque alguém planeja a minha morte. Existe um grupo interessado na minha morte e, como já vivi todas essas ameaças com meu esposo, e elas foram concretizadas, então tememos. É muito difícil viver sabendo que existe alguém interessado na sua morte. É muito complicado.
¿ Mudou algo nas disputas desde a morte da Irmã Dorothy?
¿ Houve um empenho maior da Polícia Federal, que prendeu os pistoleiros, o intermediador e o fazendeiro se entregou. Nisso teve mudança. O governo tomou algumas medidas em ralação aos crimes, e por mais que não seja aquilo que esperamos, algo despertou. Só espero que não seja só nos primeiros 60 dias. Porque nas mortes do Dezinho e do Ribamar houve também uma repercussão só que não chegamos nas pessoas que mandaram matar. Com o caso da Irmã, espero que seja diferente. Fiquei muito feliz quando vi os matadores, o intermediário e o fazendeiro presos.
¿ E em relação à questão agrária?
¿ Em termos de reforma agrária, medidas maiores tem de ser tomadas. O que tem acontecido não é o que esperamos. O levantamento de terras já tem sido feito, ao que parece em todo sul do Pará. Mas, precisa é distribuir terras para os trabalhadores rurais. Isso é o que espero do governo.
¿ Os criminosos da Irmã Dorothy se esgotam nesses 4 presos?
¿ Pelo que ouvi, tem mais pessoas envolvidas, por isso é necessária maior profundidade nas investigações.
¿ Como o estado e o governo federal vêm atuando na reforma agrária?
¿ No ano passado fizemos uma grande manifestação com toda a Regional de Marabá. Reunimos cerca de 8 mil trabalhadores e fizemos com que o ministro da Reforma Agrária, Miguel Rosseto, fosse a Marabá para uma negociação. De lá, saiu um acordo onde ia se criar projetos de assentamento. Fizemos um acordo também com o estado. As áreas do governo estadual que estivessem ocupadas pelos trabalhadores seriam repassadas para o Incra no projeto de assentamento. Esse acordo foi feito em abril e maio de 2004 e, até a morte da irmã Dorothy, ele não foi cumprido. Nem pelo Incra, nem pelo estado. Antes da morte da irmã eles não tinha interesse. Desde então, vi entrevistas em que o governo diz que a reforma agrária tem de ser feita, que existe o empenho do governo do estado. Mas, isso só ficou em fala na televisão. Não existe, de fato, o interesse do governo do estado que essa reforma agrária se faça. Essa é a verdade.
¿ E a situação das áreas invadidas?
¿ Antes da morte da Irmã, havia muitas áreas ocupadas pelos trabalhadores rurais que estavam com liminar de despejo. E o apoio para que se cumpra essas liminares sai do estado. O certo é que não existe uma política do estado voltada para fazer reforma agrária.
¿ O que tem sido feito para evitar os conflitos?
¿ É preciso que o estado, o município e o governo federal se organizem e criem uma política reconhecendo que os conflitos existem no Pará. Infelizmente, o governo do Pará ainda não voltou seus olhares para isso. Ainda não temos uma atuação. Não temos nada do estado para que acabe com essas mortes no campo. A polícia só atua com muita pressão, muito mais para desocupar as terras do que para defender os agricultores. Eu precisei andar com segurança.
¿ Como você entrou na luta sindical?
¿ Eu já tinha trinta e poucos anos quando me tornei sócia do sindicato. Como esposa de um sindicalista achei por bem ter mais conhecimento na área sindical. Em agosto de 2002 fui eleita e, hoje, sou presidente do sindicato e, através da minha atuação, fiz com que outras mulheres viessem para o sindicato para juntos desenvolvermos um trabalho, por mais que ele seja difícil. Não é fácil estar à frente de um sindicato que tem conflitos na questão da terra. Se fosse um sindicato só para encaminhar aposentadoria, seria muito simples. Mas, temos feito um bom trabalho.
¿ A senhora se expõe?
¿ Me exponho ao dar uma entrevistas. Mas não vou me cansar enquanto não colocar o mandante e o intermediário da morte do meu marido no banco dos réus. A minha esperança é que um dia eles sejam julgados e condenados, porque a impunidade não pode prevalecer.
¿ Como você tem visto a atuação do governo federal no Pará?
¿ Tem os acordos que não foram cumpridos. Agora, após a morte da irmã Dorothy, uma equipe do Exército foi enviada para cada município com conflito, inclusive para Rondon. O Incra foi designado para fazer o levantamento das terras e a identificação. No primeiro momento o que está sendo feito é isso, que é muito pouco para o tamanho do problema fundiário que temos naquela região. O governo tem de tomar outras medidas. Se tem terra que esteja ocupada e depois de feita a vistoria der como improdutiva, o governo tem de fazer a desapropriação. Se o fazendeiro tiver a terra por meio de títulos falsos, o governo deve fazer a desapropriação. Já se o fazendeiro tiver algum direito, o governo paga, e assenta aquelas famílias. isso para que não venha acontecer mais mortes. Para nem a Joelma, nem os companheiros do sindicato venham a morrer.
¿ O poder judiciário funciona?
¿ É muito lento. No caso das mortes em conflito no campo, o caso mais acelerado que vi foi o caso da Irmã Dorothy. Já tem cinco anos que o processo do meu esposo está rolando, o do Ribamar já tem um ano, e nada foi feito. Há uma morosidade muito grande nessa questão. Por isso o processo da irmã Dorothy tem de ser exemplar. Senão, se ele não for de fato resolvido, vai cair no esquecimento, assim como os processos do Dezinho, do Ribamar e de outros companheiros que muito antes deles tombaram na luta pela terra. Os mandantes estão soltos, os intermediadores talvez estejam intermediando outras mortes, porque não existe de fato uma conclusão daqueles processos. As pessoas morrem e não se faz nada. Tanto o governo do estado como o governo federal tem de olhar para essa questão do judiciário, não só no Pará como em todo o Brasil.
¿ O problema é só de morosidade ou há cooptação?
¿ No processo do Dezinho há uma influência. Porque se trata de um crime contra um trabalhador rural e quem matou é uma pessoa com muita influência no município de grande poder econômico. Vemos que no Brasil ainda prevalece quem tem mais dinheiro.
¿ Que recado a senhora mandaria para o presidente Lula?
¿ Criamos muita expectativa, muita esperança nesse governo. Acreditávamos que a questão da reforma agrária seria resolvida de forma diferente, até mesmo pelo Lula vir de uma grande luta. Além de ser um homem que fez várias mobilizações, que também veio de um sindicato de trabalhadores, e apesar de não ser rural, passou por todo um processo sindical. Mas nos deparamos com as alianças que o Lula fez. Ele governa com uma bancada de deputados e senadores que não defende a reforma agrária. As nossas muitas esperanças e expectativas na reforma agrária, não estão sendo concluídas. Essa é a verdade. Só temos que lamentar. E deixar um recado para que o presidente Lula pense e volte a atenção para a reforma agrária. Criou-se uma expectativa muito grande e não estamos sendo correspondidos. A desilusão é muito grande. Porque mortes acontecem, ocupações acontecem e não são resolvidas e as ameaças continuam.
¿ Haverá o pedido de federalização dos processos?
¿ Vamos pedir a federalização de todos os processos de trabalhadores rurais, inclusive os contra o Dezinho e o Ribamar. Essa é a nossa batalha. Estamos colhendo assinaturas para reforçar esse pedido para que qualquer crime contra trabalhadores rurais sejam federalizados. Porque quando a Policia Federal entra no processo é diferente, a força é maior.