Título: Previdência: alertas de fraude ignorados
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 10/04/2005, País, p. A5
De 2001 até hoje, 15 auditorias denunciaram irregularidades no sistema de seguridade social, mas pouco foi feito para corrigir
Documentos confidenciais dos órgãos de controle e fiscalização da Presidência da República mostram que o Ministério da Previdência Social vem sendo alertado desde 2001 sobre as fraudes em sua estrutura, mas não toma medidas para acabar com as irregularidades. Estes papéis mostram que a Previdência Social, o INSS e a Dataprev receberam 15 resultados de auditorias detalhando as irregularidades internas e não saneiam os sistemas de arrecadação, pagamento de benefícios e informática. O Jornal do Brasil teve acesso aos documentos junto a uma autoridade da cúpula do governo federal. São auditorias feitas pela Controladoria-Geral da União e sua subordinada Secretaria Federal de Controle Interno, órgãos da Presidência da República.
Entre as principais irregularidades não solucionadas estão a existência de 13 milhões de informações cadastrais inconsistentes e irregulares, que resultam em pagamentos indevidos. Esta irregularidade foi constatada numa auditoria da Controladoria-Geral da União em 2002, feita com base nos dados da Previdência no ano anterior. A maioria das irregularidades constatadas na época - onde se inclui uma infinidade de beneficiários fantasmas - ainda permanece sem solução.
Outra auditoria, do ano passado, denunciou a ''morosidade'' da Previdência na arrecadação de uma dívida consolidada que supera R$ 180 bilhões, em nível administrativo e judicial. Este valor representa mais de 25 vezes o valor que o governo quer recuperar este ano em dívidas, um total de R$ 7 bilhões. O INSS reconheceu em janeiro deste ano, segundo os relatórios, que não foi possível implementar as recomendações das auditorias para acelerar a cobrança da dívida, tendo em vista a ''complexidade'' da questão.
A grande contradição é que as auditorias internas do governo mostram que 14,4% de toda a dívida da Previdência - que totalizam R$ 26,6 bilhões - são créditos de ''baixa dificuldade de recuperação''. Outros 45,9% - um total de R$ 84,7 bilhões - encontram-se na situação de ''média dificuldade'' de recuperação. Somente 4,4% da dívida são classificados como ''alta dificuldade'' de recuperação, um total de R$ 8,2 bilhões. A documentação aponta ainda a alta concentração da dívida, o que, em tese, facilitaria a cobrança. Dos 245 mil devedores da Previdência, 8,8% (21 mil pessoas e empresas) respondem por 88% da dívida.
Outro problema que o governo insiste em não resolver desde 2001, segundo a papelada, é um contrato de prestação de serviços da Dataprev com a Unisys. A primeira auditoria, de 2001, constatou falhas na execução do contrato, principalmente a ''morosidade'' na implementação de modernas soluções tecnológicas. Os relatórios mostram que o atual governo só complicou mais o problema. Em 2003, quando terminou o contrato com a Unisys, o governo contratou a Cobra, que sub contratou a mesma Unisys, com um custo adicional que pode chegar a R$ 31 milhões, com os mesmos problemas da dependência tecnológica.
O governo também encontrou preços elevados e ''incompatíveis'' com os de mercado em contrato da Dataprev com a Siemens Ltda. Não foi selecionada a melhor proposta para o INSS e o contrato não contempla a atualização dos equipamentos. A Dataprev não esclareceu as razões da locação de equipamentos da empresa, segundo os relatórios. Os auditores também identificaram várias irregularidades em contrato da Previdência com o Instituto Vias, incluindo a superposição de produtos, ausência de justificativa de preços e ''inoportunidade'' da contratação.
Nova auditoria encontrou ano passado diversas irregularidades nos cadastros. Ao cruzar dados por amostragem sobre 3.016 pensões por morte, os auditores concluíram que 2.921 cadastros (96,8%) estão com dados incorretos ou incompletos, incluindo ausência de informações do nome do instituidor da pensão, falta de dados pessoais e de número de identificação do trabalhador, o NIT. A auditoria concluiu que os sistemas de benefícios são vulneráveis, suscetíveis a erros e fraudes, com pagamentos em duplicidade, o que provoca concessões sem embasamento legal e pagamentos irregulares. A CGU apresentou várias recomendações, incluindo a cassação de pensões ilegais, mas não houve resposta da Previdência.
Outra auditoria de 2004, feita no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) - nas aposentadorias por invalidez - constatou pagamentos irregulares para 7,4 mil beneficiários, com um rombo de R$ 80 milhões. A Dataprev e o INSS receberam várias recomendações da CGU, mas não se manifestaram sobre as irregularidades.
Nem a Gerência-Executiva do INSS em Brasília escapa das irregularidades. Os auditores constataram inconsistências nos registros de sistemas previdenciários que acabam atrasando o andamento dos processos de cobranças. Também foi identificada a ''morosidade'' na arrecadação de créditos previdenciários, além de elevado número de créditos na fase de ''pré-inscrição'' em dívida ativa. Os auditores identificaram notificações fiscais de lançamento de débito e autos de infração com mais de 240 dias na fase de ''contencioso administrativo'', em desacordo com as metas do INSS.
Entre as últimas recomendações da Controladoria-Geral da União para a Previdência, ao INSS e à Dataprev estão instauração de 80 processos disciplinares nas corregedorias, a migração do ambiente tecnológico do governo federal para a chamada plataforma aberta, a implantação de um sistema de cobrança automático e a correção de diversas irregularidades.
A Controladoria pede ainda a agilização na cobrança das dívidas bilionárias. É solicitada a instauração de processos disciplinar para responsabilizar quem na Dataprev contratou a Unisys de forma ''irregular''. Por último, os auditores pedem a cobrança da diferença de valores na permuta de imóveis com a empresa Miramar, um total de R$ 22 milhões.
O JB tentou ouvir o atual ministro da Previdência, Romero Jucá, sobre as irregularidades na Previdência. Na quinta-feira, o ministro garantiu que falaria na sexta. Jucá, no entanto, preparava a defesa contra denúncias de que teria inventado fazendas fantasmas para dar como garantia a empréstimos bancários e não se pronunciou sobre as irregularidades históricas no órgão.