Título: Conclave
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 10/04/2005, Internacional, p. A8

Analistas dizem que João Paulo II preparou colégio para um sucessor como ele

O próximo papa será alguém parecido com João Paulo II, apontam especialistas. Isso significa que os católicos não devem esperar mudanças drásticas no pensamento da Igreja. Uma análise do perfil do colégio cardenalício, que elege o herdeiro de São Pedro a partir do dia 18, sugere que, por ter nomeado 114 dos 116 cardeais votantes, Karol Wojtyla deve ter um sucessor como ele: conservador nas questões morais, progressista no social. Mas as nomeações, feitas em nove consitórios, não são o único motivo. ¿ João Paulo II mudou a idéia de papa, se transformou no paradigma de um pontífice desejável: simpático, disposto a viagens, intelectual, poliglota. Este perfil deve ganhar espaço na Igreja, porque é capaz de evangelizar um mundo dinâmico ¿ aponta ao JB o padre Manoel Augusto Santos, doutor em Teologia.

Segundo o também coordenador da pós-graduação em Teologia da PUC-RS, a multidão que fez questão de participar das exéquias provou que a Igreja não pode perder a chance de continuar atraindo atenção.

¿ O papa escolhido tem que ser um homem com vigor, que tenha 70 anos, mas com força de 60 ¿ afirma Santos.

O doutor em História da Igreja e professor da Universidade Federal Fluminense, Marcelo Timotheo, concorda que a tendência é pela eleição de um pontífice entre 70 e 73 anos, situação de apenas 18 dos 117 prelados elegíveis, inclusive dos brasileiros Dom Claudio Hummes e Dom Eusébio Scheid.

Os critérios políticos e etários, no entanto, não são os cruciais, defende Santos.

¿ Não é como uma eleição estatal. O papa é, antes de tudo, um escolhido de Deus. Por isso, a primeira pergunta que os cardeais se fazem é: ¿Quem Deus quer como papa?¿ Para obter a resposta, rezam. Em seguida, deve-se saber qual é o apóstolo que mais ama Cristo ¿ explica o padre.

Só depois vem a pergunta ¿quem é parecido com as minhas idéias?¿, onde pode entrar um viés mais político.

¿ De qualquer maneira, é papel dos cardeais serem moralmente conservadores, porque a Igreja tem que preservar os valores corretos. Um eventual progressismo se restringe a questões que não são da Igreja, como o social ¿ acrescenta o teólogo.

É nessa fase do conclave que a história pessoal e a procedência dos eleitores se tornam fundamentais. Prelados de países em desenvolvimento ¿ 45% do colégio, contra 55% de nações mais ricas ¿ tendem a ser mais sensíveis aos problemas sociais.

¿ Os cardeais latinos, por exemplo, que lidam com pobreza, corrupção, violência, vão carregados com isso para o conclave. Os problemas fazem parte também da sua experiência pastoral ¿ diz o padre.

Entretanto, Santos e Timotheo concordam que a eventual eleição de um papa latino não significa o retorno da Teologia da Libertação, condenada por João Paulo II.

¿ Ela não voltaria a ganhar força com os erros que a Igreja apontou ¿ acredita o teólogo.

¿ O que próximo papado vai trazer é um reflorescimento da produção teológica ¿ completa o historiador.

Ambos acreditam também que o conservadorismo da prelazia Opus Dei, que tem dois membros declarados no conclave ¿ Julián Herranz, presidente do Conselho para a Interpretação de Textos Legislativos, e Juan Luis Cipriani, arcebispo de Lima ¿ não vai sair vitoriosa da eleição.

¿ A Igreja precisa de um papa que seja mais aberto para dialogar com o povo ¿ justifica Timotheo, lembrando entretanto que o número de simpatizantes da prelazia no colégio cadernalício é grande e inclui o carismático arcebispo de Milão, Dionigi Tettamanzi, e o arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eusébio Scheid.