O Globo, n. 31482, 17/10/2019. País, p. 10
Justiça absolve Temer de obstrução à Justiça por conversa com Joesley
Marco Grillo
O juiz federal Marcus Vinícius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, absolveu o ex-presidente Michel Temer da acusação de obstrução à Justiça no caso relacionado à delação premiada do empresário Joesley Batista. Na sentença, o magistrado refutou a tese do Ministério Público Federal (MPF) de que Temer teria incentivado Joesley a manter os pagamentos de propina ao doleiro Lúcio Funaro para evitar que ele firmasse um acordo de colaboração premiada.
A sentença afirma que o áudio da conversa entre Temer e Joesley é uma prova “frágil” — foi nessa conversa que o então presidente disse a frase “Tem que manter isso, viu?”. A acusação do MPF faz referência a “pagamentos indevidos” a Funaro e ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Na sentença, o magistrado citou apenas o doleiro.
“O diálogo quase monossilábico entre ambos evidencia, quando muito, bravata do então presidente da República, Michel Temer, muito distante da conduta dolosa de impedir ou embaraçar concretamente investigação de infração penal que envolva organização criminosa”, escreveu o juiz.
O magistrado ressaltou que o laudo que transcreveu o diálogo registrou 76 pontos em que a conversa era “ininteligível” e outros 76 trechos em que havia “descontinuidade”. Segundo a decisão, a denúncia juntou partes diversas da conversa “dando interpretação própria à fala dos interlocutores”.
“O diálogo tido pela acusação como consubstanciador do crime de obstrução de Justiça, como se vem demonstrar, não configura, nem mesmo em tese, ilícito penal. Seu conteúdo, ao contrário do que aponta a denúncia, não permite concluir que o réu estava estimulando Joesley Batista a realizar pagamentos periódicos a Lúcio Funaro, de forma a obstar a formalização de acordo de colaboração premiada e/ou o fornecimento de qualquer outro elemento de convicção que permitisse esclarecer supostos crimes atribuídos ao grupo denominado ‘PMDB da Câmara’. Afirmações monossilábicas, desconexas, captadas em conversa com inúmeras interrupções, repita-se, não se prestam a secundar as ilações contidas na denúncia. Nesse sentido, tenho por caracterizada a hipótese de absolvição sumária a que alude o art. 397, III, da Lei Processual Penal”, disse.
O que disse a PF
A Polícia Federal concluiu em junho de 2017 que não houve edição nas gravações feitas por Joesley. A perícia apontou cerca de 200 interrupções no áudio em que ele aparece falando com Temer, mas ressaltou que as “descontinuidades” seriam consequência das características técnicas do gravador usado para registrar a conversa.
As gravações, porém, não foram as únicas evidências apresentadas contra Temer. A PF gravou o ex-deputado e ex-assessor direto do ex-presidente Rodrigo Rocha Loures, apontado por Temer como homem de confiança, recebendo uma mala com R$ 500 mil do ex-executivo da J&F, controladora da JBS, Ricardo Saud. Rocha Loures foi flagrado correndo com a mala na saída de uma pizzaria de São Paulo após recebê-la.
Os investigadores sustentam que o dinheiro se tratava de propina destinada a Temer e a Rocha Loures por interferirem, em benefício da J&F, em processo administrativo em trâmite no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Temer foi denunciado ainda no exercício da Presidência pelo então procurador geral Rodrigo Janot. O andamento da acusação foi barrado em votação na Câmara dos Deputados, mas, após Temer deixar o cargo, o caso seguiu para a Justiça Federal do Distrito Federal.
Na denúncia da Procuradoria-Geral da República, ratificada pela Procuradoria da República do DF, Janot escreveu que “ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas a Lúcio Funaro (apontado como operador financeiro de políticos do PMDB) e Eduardo Cunha, com a finalidade de impedir estes últimos de firmarem acordo de colaboração”.
A denúncia original da PGR incluía os crimes de organização criminosa e obstrução. Na Justiçado DF, a denúncia foi dividida— a acusação a respeito da organização criminosa também tema conversa entre Temere-Joesley co moumadas provas.
O advogado de Temer, Eduardo Carnelós, disse que a “decisão traz o reconhecimento de que o grande escândalo com o qual se tentou derrubar um presidente da República baseou-se na distorção de conversa gravada, pois o conteúdo verdadeiro dela nunca indicou a prática de nenhuma ilegalidade por parte dele”. Em nota, ele acrescentou que “foi a partir dessa distorção que outras foram praticadas, para formular descabidas acusações contra um homem honrado”.