O Globo, n. 31529, 03/12/2019. País, p. 6

Nove jovens e suas histórias interrompidas

Dimitrius Dantas
Guilherme Caetano
Gustavo Schmitt


O “Baile da 17”, evento na favela de Paraisópolis também conhecido como “pancadão”, reúne em média cinco mil pessoas que se espalham pelas vielas e becos da favela. Além dos moradores da região, o baile era também frequentado por pessoas que vinham de vários outros bairros da cidade, além de municípios da Região Metropolitana.

Entre os mortos com idades entre 14 e 23 anos, estavam oito homens e uma mulher. Familiares de Luara, de 18 anos, a única vítima do sexo feminino, souberam da morte dela quando seu nome apareceu na lista de mortos divulgada pelo Fantástico, da TV Globo.

O baile costuma começar na noite de sábado e termina, muitas vezes, no meio da manhã de domingo. Segundo moradores do local, muitos frequentadores costumavam passar o fim de semana fora de casa — daí a demora, em alguns casos, por parte da família em procurar informações sobre o paradeiro de seus parentes. Ontem, ao longo do dia, corpos foram velados e enterrados em diferentes regiões de são Paulo.

Com medo de retaliação, testemunhas evitam falar

Nas vielas apertadas de Paraisópolis, eram poucos os moradores que se arriscavam a falar sobre a tragédia da madrugada de domingo. Informalmente, impera uma lei do silêncio. Quem a quebrava, exigia o anonimato.

Numa das ruas onde ficava a concentração da festa, a Herbert Spencer, havia apenas duas palavras escritas no chão, resumindo o sentimento da comunidade: “Paz e justiça”.

Essa foi a principal reivindicação dos jovens que estavam na festa ouvidos pelo GLOBO, sob o compromisso de não ter seus nomes revelados. Em comum, todos temem uma eventual retaliação da polícia.

Eles dizem que a PM intensificou as operações na comunidade desde o assassinato de um sargento na comunidade no dia 2 de novembro. Ronaldo Ruas, de 52 anos, fazia parte de uma equipe que patrulhava a favela. Ele morreu após uma troca de tiros durante uma abordagem a três suspeitos. Depois disso, os moradores afirmam que a polícia passou a agir de forma truculenta, com casos de ameaças e abusos. A Secretaria de Segurança Pública não comentou se esse episódio poderia estar relacionado com a ação de domingo em Paraisópolis.

Nascida e criada em Paraisópolis, a estudante X, de 16 anos, disse que frequenta o baile há alguns anos e estava na festa de domingo. Ela contou que, por volta das 4h, ouviu barulho de bombas de gás e sentiu seus olhos arderem. Ela afirma que houve correria eque, nomeio da confusão, conseguiu se esconder num bar de um comerciante amigo. Ainda segundo o relato da adolescente e de outras testemunhas, a polícia teria bloqueado a saída das ruas principais com viaturas, o que levou o público a fugir pelos becos — alguns têm apenas um metro emeio de largura —, onde acabaram caindo e sendo pisoteados.

— Por conhecer bema região eu soube onde buscara brigo rápido nomeio da confusão. Mui tosque não eram moradores não tiveram a mesma sorte porque estavam em pânico. A polícia estava batendo em todo mundo. Não era só bala de borracha. Estavam atirando.

Baile da 17

Outro menor de idade que também estava no baile e que não quis ter nome divulgado também atribuiu o caso à violência policial:

— A polícia estava descendo o cacete. Muita covardia. Eles sabem que podem bater em pobre. Porque para pobre não existe Justiça.

A versão oficial da polícia é que policiais participavam de uma operação nos arredores do baile funk quando dois suspeitos passaram numa moto e foram abordados. Os suspeitos não pararam, atiraram contra os policiais e fugiram em direção ao baile funk.

Segunda maior comunidade de São Paulo, Paraisópolis tem mais de 100 mil habitantes. Segundo a associação de moradores, “Baile da 17” já existe há pelo menos sete anos e cresceu de forma espontânea, com divulgação nas redes sociais. O nome do baile se refere a um bar que era conhecido na favela como “Batida 17”, onde as pessoas costumavam fazer a concentração da dança.

Gilson Rodrigues, presidente da associação, classificou a ação da polícia como “irresponsável”:

— Fazer uma abordagem num espaço com mais de cinco mil pessoas, ainda que a comunidade tenha revidado, é no mínimo despreparo — afirma Gilson.

— Os bailes têm crescido por ausência de espaços de lazer. Não adianta fazer uma desmobilização num canto que o baile vai para outro local. É melhor que o Estado seja parceiro, e não opressor dessa comunidade.