Título: Dedicação à humanidade
Autor: Ricardo Dias
Fonte: Jornal do Brasil, 10/04/2005, Internacional / Além do fato, p. A9

O corpo martirizado do papa João Paulo II repousa em paz na cripta da Patriarcal Basílica Vaticana, no mesmo lugar onde esteve sepultado o bem-aventurado João XXIII. Na celebração das exéquias, algumas coisas chamaram a atenção de quem seguia, com emoção, a despedida a esse grande pontífice. Em primeiro lugar, a persistência de um povo que, mesmo diante das dificuldades ¿ infelizmente para se organizar um movimento tão grande impõe-se disciplina ¿ colaborou da melhor forma: na alegria, resignação e no testemunho da oração. Submetendo-se a meios tão frágeis para comer, beber e se mover, não desistiu do objetivo: ver, nem que por segundos, aquele rosto sereno que confirmou-lhes a fé.

Este papa (já dizia São Pedro aos Gálatas) ¿desenhou a imagem de Jesus Cristo crucificado diante dos olhos¿ (3, 1) ao longo desses mais de 26 anos de magistério petrino, caminhou pelas estradas para ensinar a Igreja a caminhar. No funeral, alguma coisa especial pode ser sentida para mais tarde ser aprofundada. Quando o caixão com o papa saiu da basílica, carregado por 12 sediários, a multidão irrompeu em aplauso.

Porém, ao início da antífona Requiem aeternam dona eis Domine, silenciou comovida. Com cuidado, os carregadores colocaram o caixão em sua base de veludo vermelho, no tapete diante do altar no sagrado da basílica. Delegados fraternos, dos representantes das religiões, das comunidades eclesiais, reunidos ¿ por ora ¿ mas unidos futuramente, fizeram-se presentes. Este é o fruto do intenso trabalho daquele que os foi procurar um por um para solidificar o caminho da unidade desejada por Cristo. O que não se vê ainda em ato, se antevê em esperança, muito quando, ao ¿abraço da paz¿, todos manifestaram esse sonhado desejo. As Igrejas católicas dos mais diferentes ritos entoavam cantos relativos à Ressurreição, nas orações que fizeram. Seguiam os ortodoxos que tantas vezes puderam estar com o papa com freqüência para celebrar a Semana da Unidade.

De acordo com a Universis Dominici Gregis, documento de João Paulo II que normatiza o conclave, os cardeais escolherão dois sacerdotes de doutrina comprovada para lhes falar, orientando-lhes a reflexão para aprofundar espiritualmente e bem escolher. No entanto, vendo a manifestação da Praça de São Pedro, pode-se dizer que essa premonição foi brilhantemente dirigida.

Quando o forte vento fechou, sobre o caixão do papa, o livro dos Evangelhos, um pensamento delicado parecia sussurrar com o vento: neste momento e com esta missa, João Paulo II provou o quanto foi fiel na sua pregação do Evangelho. Ele pode ser fechado agora. Mais tarde será reaberto e o próximo sucessor de Pedro encontrará nele as linhas de força para continuar no mundo a ser sinal desse amor por Jesus Cristo e por sua Palavra.

Quais seriam, então, as linhas a serem consideradas?

Alguém que fortaleça o episcopado no mundo e que seja determinado em fortalecer a doutrina da Igreja, a tradição e o magistério. Um pai para a juventude, já que os jovens sentiram a perda de um pai ou um avô. Deve continuar buscando-os, tirando-os das indecisões próprias da idade e mostrando-lhes um porto seguro na família e nos ambientes de estudo, trabalho e lazer.

Deverá seguir um caminho novo para a Igreja do novo milênio. Considerar não continuidades, mas descontinuidades. O Cardeal Danneels, esboçou o que, de cada continente, emerge como urgência pastoral: na Europa, a secularização; na Ásia, o confronto com culturas antiquíssimas; na África, a pobreza e, na América do Sul, o crescimento das seitas.

Há ainda outros pontos como a adaptabilidade dos organismos de governo da Igreja (às novas exigências), a maior participação da mulher na administração, o diálogo com as demais Igrejas cristãs e as outras religiões, e o confronto com a cultura moderna. Ainda mais: a relação entre ciência e ética (que o Pontifício Conselho para a cultura já aborda) e o progresso tecnológico e científico.

No dia 18, os Cardeais entrarão na basílica para celebrar a Missa Pro eligendo Papa. À tarde, por volta de 15h, entram na Capela Sistina cantando o Veni Creator abrindo o conclave. Nestes dias que o antecedem, certas considerações podemos fazer:

1 - Vive-se um momento de muita oração e reflexão.

2 ¿ O conclave não é o desafio de substituir João Paulo II. Cada papa é inimitável e irrepetível (lembremo-nos que a Igreja já teve 264 papas).

3 ¿ Não se trata de votar para eleger um parlamento. Cada cardeal tem uma escolha pessoal, individual.

4 ¿ Nomes surgem e este é um fenômeno antigo. Há preferidos, distintos já há alguns anos em alguma consideração, porém, sempre como expressões de favoritismo subjetivo.

Nos próximos dias, acontecerão as Missas novendiales ¿ nove dias de celebração pelo papa falecido. Cada uma dessas celebrações terá a presença de representações de organismos da Igreja de Roma. Elas serão sempre às 17h na Basílica de São Pedro. Como Igreja, entramos também nós nesse mesmo clima de esperança e, desde já, oferecemos o obséquio de nossa oração ao Espírito Santo para escolher, para a Igreja e para o mundo de hoje, um homem que seja pastor, mestre e pai.