Estado de S. Paulo, n. 46921, 05/04/2022. Economia & Negócios, p. B1

Economista escolhido para presidir Petrobras cai antes de tomar posse

Adriana Fernandes 
Iander Porcella 
Eduardo  Gayer 


O escolhido pelo governo Jair Bolsonaro para comandar a Petrobras caiu ontem antes mesmo de tomar posse. A desistência de Adriano Pires para o comando da petroleira, depois de avisado que não passaria no teste de governança da estatal, deixou o futuro da empresa à deriva no mercado, a pouco mais de uma semana da assembleia que votará a próxima gestão, marcada para 13 de abril. O imbróglio fez a estatal perder ontem R$ 2,5 bilhões em valor de mercado, ignorando a alta do petróleo que beneficiou as concorrentes.

A desistência, comunicada ao Palácio do Planalto, vem depois de o Estadão revelar que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu que Pires fosse impedido de assumir o cargo enquanto não houvesse uma investigação do governo (Controladoria-geral da União e Comissão de Ética) e da Petrobras sobre a atuação dele no setor privado.

Emissários do governo Jair Bolsonaro iniciaram sondagens junto a investidores do setor de petróleo sobre novos nomes para o comando da Petrobras e do seu conselho de administração.

Próximo ao senador Flavio Bolsonaro, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Caio Mario Paes de Andrade, voltou a ser cotado para a presidência executiva (leia mais na pág. B2). As indicações de Adriano Pires e de Rodolfo Landim, que declinou do convite na madrugada de domingo, esbarraram em conflitos de interesse entre as suas atuações no mercado de gás e óleo e os da petrolífera brasileira.

Não adiantou a ofensiva da ala política do governo e da tropa de choque do Centrão para manter Pires à frente da petroleira, passando por cima das regras de acesso a cargos de comando da empresa depois que Pires comunicou a sua decisão pela manhã ao Planalto, antecipada pelo jornal O Globo.

O principal apoio público partiu do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al). Cacique do Centrão, Lira ajudou a validar a indicação de Pires. A ofensiva não deu certo.

Na defesa de Pires, Lira ironizou as regras de governança que apontaram conflito de interesse da atuação dele via sua empresa de consultoria com contratos com petroleiras e empresas de gás. "Tem de ser arcebispo para ser diretor da Petrobras", criticou. "Hoje, eu estava comentando aqui com o ministro: a pauta da imprensa, e talvez do Ministério Público, é condenar o possível presidente da Petrobras porque prestava assessoria a um grupo empresarial. Se eu sou da atividade privada, eu não posso trabalhar para nenhum grupo empresarial? Eu não posso prestar serviço? Eu não posso ter trabalhado, e isso vai me prejudicar nas minhas decisões lá na frente?", questionou Lira.

Carta. Apesar de alguns integrantes do governo e aliados políticos terem tentado ao longo do dia a reversão da situação, Pires enviou carta ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, no fim do dia. Na carta, Pires disse que não poderia conciliar o seu trabalho com a presidência da Petrobras. "Ficou claro para mim que não poderia conciliar meu trabalho de consultor com o exercício da presidência da Petrobras", afirma. "Iniciei imediatamente os procedimentos para me desligar do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), consultoria que fundei há mais de 20 anos e hoje dirijo em sociedade com meu filho. Ao longo do processo, porém, percebi que infelizmente não tenho condições de fazê-lo em tão pouco tempo." A atuação de Bento na condução do impasse foi colocada em xeque.

Para ficar, Pires teria de abrir mão de todos os contratos de longo prazo que a sua consultoria possui com as petroleiras e empresas de gás. A avaliação é de que, mesmo que isso ocorresse, depois da exposição pública dos problemas, ficaria a suspeita pairando sobre Pires de um eventual "acordo de gavetas", aumentando o desgaste em torno da estatal – que começou com os ataques do presidente Jair Bolsonaro à política de preços atrelada ao mercado internacional.

Como sócio-fundador do CBIE, Pires tem contratos de longo prazo com petroleiras e empresas de gás, como a Cosan. Segundo apurou o Estadão, Pires achou que bastaria passar sua parte na sociedade para o filho, Pedro Rodrigues Pires. Mas não é permitido pelas regras da estatal. Com o impedimento, ele decidiu abrir mão do comando da Petrobras. / Colaborou Rayanderson Guerra 

"Ficou claro para mim que não poderia conciliar meu trabalho de consultor com o exercício da presidência da Petrobras."

Adriano Pires

Em carta a ministro