Título: Nas Asas da Panair e da Varig
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 10/04/2005, Outras Opiniões, p. A13

O que a aviação comercial atravessa nada mais é do que o resultado esperado daquela resolução antinatural adotada no passado

Foram muitas as comunicações que recebi sobre o artigo de domingo passado ''Transparência para voar'', em que recomendei ao governo total transparência de ações para o Congresso Nacional e para a opinião pública com respeito à solução dos problemas da aviação comercial brasileira. Uma das mais interessantes foi a correspondência de Daniel Leb Sasaki, de 22 anos, jornalista residente em Campinas, que acaba de concluir profunda pesquisa sobre a história da companhia aérea Panair do Brasil, e que vai publicar neste ano o livro: Pouso forçado, a história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar.

Diz Daniel Sasaki: ''Foi muito pertinente sugerir que o Senado e o povo brasileiro assistam ao filme O aviador, de Martin Scorcese. Importante, sobretudo, porque aquela obra cinematográfica traça paralelos muito próximos com a história de nossa própria indústria aeronáutica''. Ele chama a atenção para o extermínio da Panair do Brasil ocorrido em 10 de fevereiro de 1965:

''Em um simples despacho, desprovido de qualquer respaldo legal, as autoridades do antigo Ministério da Aeronáutica cancelaram as concessões de vôo da mais famosa e eficiente empresa aérea nacional e as transferiram graciosamente para a Varig, que já tinha aviões prontos para realizar aqueles vôos no mesmo dia. Tudo havia sido tramado com antecedência. Os militares iniciavam uma obra de destruição contra os empresários Mário Wallace Simonsen e Celso da Rocha Miranda - ambos não haviam apoiado o regime militar e quem saiu vitorioso foi Ruben Berta que, como o perspicaz Juan Trippe, há anos vinha tentando derrubar a incômoda concorrente. O saldo: monopólio de trinta anos da Varig sobre as nossas linhas internacionais''.

Atualmente o governo examina as soluções alternativas para o setor. Avalia Daniel Sasaki que é importante preservar a Varig, em que pese a sua difícil situação patrimonial, mas acha fundamental que todos reflitam sobre o que aconteceu com a Panair na hora de tratar a crise do setor aéreo: ''É preciso analisar com isenção, coragem e senso crítico a ferida que originou a grave hemorragia, para iniciar o processo de cura. O que a aviação comercial atravessa nada mais é do que o resultado esperado daquela resolução antinatural adotada no passado. Ignorar a História é correr o risco de deixá-la se repetir com os mesmos ônus e dores. E, contra isso, nenhuma medida paliativa ou imediatista será eficaz.''

O caso já tem 40 anos, mas ainda está no Supremo, já que os herdeiros e ex-funcionários cobram o que lhes foi tirado - quantias com certeza astronômicas, mas do tamanho da injustiça que sofreram. Saulo Ramos conta no prefácio uma das arbitrariedades: com a suspensão dos vôos, a Panair pediu concordata no Rio. Pois o próprio ministro da Aeronáutica na época, brigadeiro Eduardo Gomes, foi pessoalmente ao fórum e proibiu o juiz de deferir o pedido da empresa. Mandou decretar sua falência.

Daniel Sazaki diz que, ''surpreendentemente, a imprensa falhou ao cobrir o assunto, mesmo diante de sua atualidade: a discussão acerca da abertura dos arquivos da ditadura, a crise da aviação comercial e a alteração da Lei de Falências''. Com certeza, se verificar os arquivos da imprensa de 40 anos atrás, vai encontrar muito pouco. É que, naqueles dias, os censores ocupavam o lugar de muitos jornalistas nos jornais - eles também perseguidos. Daniel e debruça sobre esse assunto em suas pesquisas - e percebe como foi pernicioso ao país a violação do direito à informação.

Os que viveram aqueles tempos vibram até hoje com a música de Milton Nascimento ''Nas asas da Panair''. Os que não viveram entendem que a felicidade voava naquelas asas, como se fosse um sonho bom. Agora três grupos editoriais consideram a publicação do livro. Como diz Saulo Ramos, ''se o Brasil precisa conhecer os arquivos do seu passado, no livro de Daniel Sasaki encontrará um deles''.

No inicio desta semana, informou-me o presidente da Varig, Luiz Martins, que ele decidirá qual a melhor proposta, dentre as apresentadas pelos interessados em ter participação acionária. Na última quinta o presidente da república em exercício, José de Alencar, afirmou que o governo não tem qualquer veto prévio aos interessados e verificará se o proponente está obedecendo o previsto na legislação. Não pode haver participação acionária superior a 20% para empresa concessionária de serviço comercial aéreo. Por outro lado, a comunidade de aeronautas, aeroviários e passageiros torce para que haja uma saída justa, transparente e sem privilegio que permita a continuidade dos vôos da Varig.