O Globo, n.31.588, 31/01/2020. Editoriais. p.02

A persistência de taxas elevadas de juros


A economia brasileira nas últimas quatro décadas, desde o início dos anos 1980, ainda na ditadura militar, enfrentou tantas crises e passou por tantas terapias, muitas heterodoxas, que contraiu diversos efeitos colaterais e deformações. Nem sempre fáceis de debelar e consertar.

Caso dos juros elevados. No último estágio de aplicação do exitoso Plano Real, 1998/1999, os juros básicos da economia tiveram de ser jogados nas alturas, para conter uma fuga de divisas e impedir que grande desvalorização cambial injetasse muita inflação na veia do sistema de preços. O país enfim conseguiu deixar de usar o dólar como âncora anti-inflacionária quase fixa. A moeda passou a flutuar, precisou-se elevar os juros, e a vida seguiu em frente. Mas, mesmo com a queda da taxa básica, a Selic, criada naquele momento, há juros que não caem. Ou não caem na mesma proporção que a Selic.

Certas discrepâncias mostram isso de forma muito clara: a Selic está em 4,5%, nível em que jamais se encontrou, e pode ser cortada ainda mais na reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), do Banco Central, em fevereiro, porém as taxas cobradas para quem fica endividado no cartão de crédito e no cheque especial chegam a 300%.

Há explicações clássicas por parte das instituições financeiras. Devem ser levadas em conta, registre-se. Algumas delas: a inadimplência e o peso dos impostos. Tem sua lógica, mas não é justificativa razoável para tamanha discrepância.

A situação é tão esdrúxula que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, economista liberal, assim como o ministro da Economia, Paulo Guedes, determinou que a partir de 6 de janeiro os bancos passassem a limitar a taxa cobrada no cheque especial a 8% ao mês — ainda uma exorbitância. Em dezembro, os juros foram de 12,3%. Com o teto do BC, o empréstimo do cheque especial custará 150% ao ano, ainda inadmissíveis. Tanto que Roberto Campos Neto, com evidente conhecimento de Paulo Guedes, cometeu a heresia de tabelar a taxa.

A queda da inflação e da taxa básica do BC aumenta o peso do argumento de que a falta de concorrência no mercado financeiro é que mantém os juros em patamares pornográficos.

Por uma série de razões, uma delas, talvez a principal, que o ciclo de fusões e incorporações no setor bancário, com o fim da superinflação pelo Plano Real, permitiu que um número pequeno de instituições financeiras controlasse parcela exagerada do mercado. Cinco conglomerados — Banco do Brasil, Caixa, Itaú-Unibanco, Bradesco e Santander — respondem por quase 85% dos créditos.