O Globo, n. 31529, 03/12/2019. Economia, p. 16
Bolsonaro quer ‘dose correta’ na reforma administrativa
O presidente Jair Bolsonaro afirmou, ontem, que está “forçando um pouco a barra” para a equipe econômica aceitar sua proposta de isentar do Imposto de Renda (IR) quem ganha até R$ 5 mil. Em entrevista à Rádio Itatiaia, ele disse também que a reforma administrativa, prevista pela equipe econômica e que vai mudar as regras para novos funcionários públicos, precisa ter a dosagem correta para não virar “veneno”.
Em entrevista ao GLOBO, no último domingo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o presidente Bolsonaro apoia as reformas. Sobre o adiamento da proposta que muda as regras para servidores públicos, Guedes disse que o problema era o timing.
— É falso dizer que o presidente não apoia a reforma administrativa, por exemplo. É timing político — afirmou Guedes.
Na entrevista ontem, porém, Bolsonaro afirmou que é preciso tomar cuidado com a dose da reforma administrativa para que ela não se transforme em um “veneno”. E afirmou que a equipe econômica entendeu sua decisão de adiar o envio da reforma:
— A questão da administrativa é (uma) questão de tempo. Temos que saber a dosagem, porque, às vezes, um remédio muito forte pode transformar se em um veneno. E essa preocupação existe, a equipe econômica entendeu.
Bolsonaro falou ainda que mantém seus planos de ampliar os limites de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil. Disse, porém, que não vai “constranger” seus subordinados e que espera que seus argumentos sejam aceitos.
Hoje, o limite de isenção é de R$ 1.903,98. A proposta de isentar quem ganha até R$ 5 mil foi feita durante a campanha eleitoral.
— Tem o que eu queria fazer e o que pode ser feito. Gostaria de entregar no meu governo, por exemplo, que quem ganhasse até R$ 5 mil, equivalente a cinco (salários) mínimos, ficasse isento do Imposto de Renda. Estou trabalhando para que este ano a gente chegue próximo aos R$ 2 mil. Pessoal pode reclamar: “Só R$ 2 mil, prometeu R$ 5 mil?”. Eu prometi R$ 5mil, espero cumprir até o final do mandato.
Resistências na equipe
O presidente admitiu, no entanto, que a proposta tem encontrado resistências dentro da equipe econômica e da Receita:
— Tem reação por parte da equipe econômica? Tem, óbvio que tem. Tem por parte da Receita? Tem. E isso daí, em parte, estou forçando um pouco a barra, mas não vou constranger a equipe econômica, muito menos a Receita Federal. Acredito que meus argumentos sejam ouvidos por parte deles, apesar de eu não entender de economia.
Bolsonaro disse ainda que a taxa Selic deve chegar a 4,5% ao ano. Sobre a reforma administrativa, o presidente afirmou que está “perfeitamente alinhado” com Guedes:
— Eu sei que lá o pessoal pensa muito em números, mas aparte social e política fica a meu encargo. Assim como ouço o Paulo Guedes, 90% do que ele fala, ele ouve 90% a minha posição política. Estamos perfeitamente alinhados no tocante a isso daí.
Pressão para tirar Guedes
À noite, em entrevista ao Jornal da Record, o presidente revelou que chegou a ser pressionado para afastar Guedes, depois de ele ter dito, na semana passada, em entrevista em Washington, que não se surpreenderia se alguém pedisse o AI-5, caso ocorressem manifestações violentas nas ruas. Segundo Bolsonaro, o objetivo de quem pediu a demissão do ministro é desequilibrar a economia, mas assegurou que não haverá alterações na condução da equipe econômica.
— Os que pedem a cabeça de Paulo Guedes, ou pediram, é exatamente com o objetivo nos desequilibrar na questão econômica. Paulo Guedes está firme, sem problema nenhum, fazendo um brilhante trabalho. A reforma mais importante que tínhamos pela frente era a previdenciária.
Conduziu com êxito exemplar. Temos agora a lei da Liberdade Econômica. Muitas coisas estão vindo aí. O Brasil está mudando com o comando do Paulo Guedes obviamente na questão econômica.
Bolsonaro classificou a fala do ministro como exercício da liberdade de expressão. Segundo ele, o ministro e seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), citaram o Ato Institucional número 5, editado em 13 de dezembro de 1968, apenas como uma expressão, no contexto de eventuais manifestações se transformarem em ações violentas. Entre outras medidas, o AI-5 fechou o Congresso e suspendeu o habeas corpus no país.
— (As falas de) Paulo Guedes e Eduardo (Bolsonaro), foram num contexto de descambar o Brasil não para movimentos sociais reivindicatórios, mas para algo parecido com terrorismo, como vem acontecendo no Chile. Falaram no meu entender... Podiam ter usado outra expressão, não o AI-5 — disse o presidente, que criticou a dimensão dada às falas do ministro e de seu filho:
— Não vejo por que tanta pressão em cima dos dois.