O Globo, n. 31505, 09/11/2019. País, p. 8
Bolsonaro evita criticar decisão do STF e ignora soltura de Lula
Jussara Soares
Apesar de eleger Luiz Inácio Lula da Silva como seu principal rival político, o presidente Jair Bolsonaro manteve silêncio em relação à libertação do ex-presidente, beneficiado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiu a prisão de condenados até que se esgotem os recursos da defesa. Nos bastidores, Bolsonaro tem demonstrado preocupação de que qualquer manifestação sua possa ser encarada como uma afronta à Corte.
Após cumprir ontem extensa agenda em Brasília e Goiânia, onde entrevistas à imprensa previstas foram canceladas, Bolsonaro conversou brevemente com um grupo de apoiadores, à noite, na porta do Palácio da Alvorada. Sem mencionar a soltura de Lula, disse responder apenas pelo que acontece no Poder Executivo e falou em “canoa furada”.
— Sou responsável por aquilo que acontece no Poder Executivo, tá ok? Eu não vou entrar numa canoa furada. Eu tenho responsabilidade perante a todos vocês — disse o presidente, sem explicar exatamente o que seria a “canoa furada” mencionada. No momento em que começou a circular a notícia de que o alvará de soltura de Lula havia sido expedido, o presidente participava de um evento de entrega de ônibus escolares, em Goiânia. A decisão do juiz em favor de Lula saiu às 16h16m. Pouco depois, às 16h23m, enquanto o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), discursava no Estádio Serra Dourada, o assessor especial da Presidência, Célio Faria, se dirigiu a Bolsonaro e mostrou o celular. O presidente colocou os óculos para ler algo e fez um comentário com o assessor. Pouco depois, Bolsonaro falou ao ouvido do ministro da Educação, Abraham Weintraub, abaixou a cabeça e olhou para frente. Faria, que já havia se sentado, então voltou para falar novamente ao presidente, que reagiu sinalizando negativamente com a mão.
Em seguida, Bolsonaro discursou por quase oito minutos, sem fazer referência ao assunto. O presidente se concentrou em elogiar a iniciativa da entrega dos ônibus escolares e voltou a falar que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não deve ter questões de “ideologia de gênero” ou política.
Após o encerramento da cerimônia, havia a previsão de que Bolsonaro concedesse uma entrevista coletiva. O presidente, no entanto, foi embora sem dar declarações, surpreendendo os funcionários do governo.
Sintonia com Moro
Bolsonaro seguiu direto para a inauguração do escritório político do líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). A assessoria do parlamentar informou que, dentro do escritório, havia uma estrutura para receber a imprensa e que existia a previsão de uma coletiva, mas jornalistas não puderam entrar no local e, mais uma vez, Bolsonaro saiu sem fazer declarações. Eram quase 17h30m. Lula deixou a prisão em Curitiba às 17h34m.
Ao evitar críticas ao Supremo, o presidente seguiu a mesma linha adotada por integrantes do governo, como o ministro da Justiça, Sergio Moro, que, em nota, disse que a decisão da Corte precisa ser respeitada, mas que o Congresso Nacional pode alterar a legislação em torno da prisão em segunda instância. Outros adversários do petista se manifestaram ontem. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSLSP) fez um vídeo dizendo que irá se esforçar para aprovar a prisão em segunda instância, além de protestar contra a decisão do STF. “LULA não será adversário porque LULA está acabado politicamente”, escreveu. Já o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) divulgou um vídeo do pai elogiando Moro, em evento ontem de manhã, e na legenda da postagem chamou de bandidos os partidos da esquerda, dizendo que o “jogo virará”.
O governador de São Paulo, João Doria, também manifestou apoio à mudança legislativa em prol da prisão em segunda instância. “A saída temporária de Lula da cadeia não anula os crimes que cometeu. Meu apoio a uma mudança constitucional para condenados em segunda instância serem presos e cumprirem integralmente suas penas. O Brasil quer justiça”, escreveu no Twitter. (Colaborou Leandro Prazeres)