O Globo, n. 31483, 18/10/2019. País, p. 4
Declaração de guerra
Bruno Góes
Naira Trindade
Natália Portinari
A ala majoritária da bancada do PSL na Câmara impôs uma derrota ontem ao presidente Jair Bolsonaro ao vetar seu filho Eduardo como o novo líder da sigla na Casa. O presidente se envolveu pessoalmente na disputa, pedindo votos a parlamentares, mas a maior parte da legenda decidiu manter no posto o deputado Delegado Waldir (GO).
Sem ter uma base aliada no Congresso, Bolsonaro se viu sem controle do próprio partido, o que agrava a fragilidade da articulação do governo no parlamento e ainda pode resultar em novas derrotas — do risco de afastamento de Eduardo e Flávio dos comandos do PSL em São e no Rio, respectivamente, ao enfraquecimento da indicação de Eduardo à embaixada de Washington.
A rejeição ao filho do presidente foi o ápice até aqui da crise entre Bolsonaro e o cacique do PSL, Luciano Bivar. O episódio deflagrou uma sucessão de ataques e retaliações entre as duas alas. O dia que começou com vitória de Delegado Waldir teve ainda a destituição da líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (SP), e uma guerra de áudios vazados dos dois lados, incluindo um do próprio Bolsonaro (leia no texto abaixo) — além da retirada dos vice-líderes do PSL ligados ao presidente.
Joice: é “ingratidão”
Na próxima semana, Karina Kufa, advogada eleitoral do presidente, planeja incluir os últimos episódios como argumento para pedir à Justiça Eleitoral que parlamentares aliados de Bolsonaro possam acompanhá-lo numa eventual saída do partido sem perder os mandatos sob o argumento de falta de transparência.
Na quarta-feira, aliados do líder da sigla, Delegado Waldir, que é da ala de Bivar, e de Eduardo Bolso na roa presentaram listas coma assinatura de supostamente mais da metade da bancada para garantira liderança.
Ontem, a Secretaria-Geral da Câmara informou que apenas Waldir superou o número necessário (27), tendo 29 deputados em seu apoio. O líder do partido do presidente foi gravado por outro deputado do PSL, Daniel Silveira (RJ), ameaçando “implodir” o presidente, o que não lhe fez perder apoio para seguir na liderança.
A derrota pública do filho do presidente não ficou sem reação do governo. Joice Hasselmann foi destituída d oposto de líder do governo no Congresso por ter apoiado Delegado Waldirn adis puta. Ela foi substituída pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO). Cabo eleitoral de Bolsonaro no ano passado, Joice quer ser candidata a prefeita de São Paulo e já havia tido brigas com Eduardo pelo comando do partido em São Paulo. Nas redes sociais, ela se queixou de “ingratidão” e estabeleceu condições para continuar apoiando o governo:
— Não me importo com a ingratidão. Meu couro é duro. Sigo apoiando o Brasil. Continuo firme no combate à corrupção e apoio o presidente Jair Bolsonaro enquanto ele realmente quiser combater a corrupção, sem jeitinho, sem flexibilizar, sem carteiradas, sem protecionismo a quem quer que seja. Se houver esse compromisso mantido com o Brasil, seguiremos juntos.
O governo também estaria ameaçando retaliar deputados do grupo de Bivar com a retirada de cargos no governo. O deputado Coronel Tadeu (SP) diz ter recebido uma ligação do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, questionando de qual lado estaria na briga no partido. Tadeu diz ter respondido ao ministro não ter cargos e não temer ameaças. Procurado, Ramos disse que a ligação era para pedir para que parlamentares tenham responsabilidade “já que estão alinhados ao governo”.
— Em nenhum momento falei que vou tirar cargos. Eles querem é lançar a cizânia —diz Ramos.
Outros dois deputados do PSL dizem ter recebido recado semelhante do Planalto.
O grupo de Bivar também usou as armas à disposição. Líder da bancada, Delegado Waldir destituiu cinco deputados bolsonaristas da vice liderança da legenda. Daniel Silveira (RJ), Cabo Junio Amaral (MG), Caroline de Toni (SC), Filipe Barros (PR) e Chris Tonietto (RJ) perderam seus postos. Assim, eles perdem o direito também a assessores da liderança, que tinham antes.
Ontem, o presidente do PSL confirmou a possibilidade de afastar Eduardo e Flávio Bolsonaro dos comandos do PSL em São Paulo e no Rio:
— Está tudo em processo no partido. Mas não assinei nada — disse Bivar, após se reunir com aliados.
A ala bolsonarista também não pensa em trégua. Alinhado ao presidente, o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), promete insistir na coleta de assinaturas para derrubar Delgado Waldir da liderança.
O PSL já estuda possibilidades de um futuro sem Bolsonaro. Uma hipótese é afusão com outro partido. O vice-presidente do PSL, Antônio Rueda, conversou com o presidente do DEM, ACM Neto, sobre o tema. (Colaboraram Daniel Gullino e Gustavo Maia)