O Globo, n. 31483, 18/10/2019. País, p. 5

Presidente prova o dissabor do próprio estilo

Miguel Caballero


“Esse aí não se elege nem síndico de prédio”. A hipérbole costuma ser usada para desdenhar de políticos que tiveram a imagem irremediavelmente desgastada ou que não possuem vocação para disputas eleitorais. Para o atual momento do deputado Eduardo Bolsonaro, serve também como uma metáfora com contornos reais. Ambicionando ser aprovado embaixador nos Estados Unidos pela maioria do Senado — onde o PSL tem apenas três votos —, ele perdeu a eleição do próprio condomínio.

Para quem é o deputado federal mais votado da História do Brasil, a derrota para Delegado Waldir (GO) na disputa pela liderança do PSL na Câmara é um constrangimento, sobretudo na condição de filho do presidente da República. Além de acentuar a crise no partido, o fiasco pode reduzir as chances de sua possível indicação para embaixador ser aprovada.

Ficou mais barato para os senadores negar um voto ao filho 03 de Bolsonaro, obrigado a convencer parlamentares de diversas legendas. Se alguém estava em busca de argumento para barrar a indicação, o fato de que nem seus correligionários lhe depositaram confiança fala por si. Em igual proporção, a persuasão ficou mais custosa para o governo.

A derrota também é de Jair Bolsonaro. O presidente chegou a dizer que não se envolveria na disputa, mas foi gravado pedindo votos contra o líder do PSL. Entrando pessoalmente na briga, e para perder, ajuda a banalizar fracassos do governo no Congresso.

Tendo assumido cumprindo a promessa de campanha de não repetir práticas da relação entre governo e Congresso no presidencialismo de coalizão à brasileira, o presidente vê a desarticulação de uma sempre inexistente base aliada culminar numa derrota pública imposta pelo próprio partido —o único que (ainda) é declaradamente governo.

As pautas econômicas, como a Previdência e a cessão onerosa, têm andado bem, ainda que a custo alto para o governo. Mas as perspectivas não são as melhores para a agenda mais bolsonarista: agravada, a desarticulação de uma base governista pode cobrar preço alto em temas como a legislação armamentista e o pacote anticrime, que serão votados ainda antes do fim do ano. Projetos da área “de costume” já estão no fim da fila desde sempre.

De certa forma, Bolsonaro prova do próprio veneno na briga partidária. Eleita a reboque da onda de popularidade do presidente em 2018, a nova safra de parlamentares do PSL reproduz o pouco apreço de Bolsonaro pelas formalidades e liturgia do processo político mais tradicional. Ninguém se inibe em submeter o presidente e seu filho ao desgaste público, com requintes de comédia-pastelão.

No início do ano, era folclórico aos olhos dos políticos mais antigos o hábito dos calouros do PSL, muitos egressos do sucesso nas redes sociais, de fazer transmissões ao vivo pela internet de cada passo dentro do Congresso. Oito meses depois, o anedótico descambou para o bangue-bangue virtual: áudio do presidente da República cabalando votos para o filho de um lado, um deputado infiltrado no grupo do líder do partido para gravá-lo xingando Bolsonaro de outro.