O Globo, n. 31528, 02/12/2019. País, p. 7
Sem partido, Bolsonaro reduz apostas para eleições municipais
Jussara Soares
Naira Trindade
Sem ter certeza de que o Aliança pelo Brasil, seu novo partido, será homologado antes das eleições municipais, o presidente Jair Bolsonaro vem orientando os apoiadores que sonham chegar às prefeituras em 2020 aterem um plano B, buscando abrigo em alguma legenda para não ficarem de fora da disputa. O presidente tem prometido também, conforme relatos feitos ao GLOBO, que dará seu apoio a alguns poucos candidatos considerados de confiança e alinhados ideologicamente em cidades estratégicas.
Na avaliação de Bolsonaro e seu filhos, esteéo momento em que é melhor “perder em quantidade para ganhar na qualidade dos candidatos”. O pano de fundo dessa estratégia é evitar que se repita o que houve nas eleições do ano passado, quando vários candidatos a deputados e senadores se elegeram sob o manto do bolsonarismo pelo PSL, mas romperam com o presidente no racha envolvendo acrise com a legenda comandada por Luciano Bivar.
Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Belém e Campinas são alguns dos municípios nos quais o presidente planeja se empenhar pessoalmente. Nessas cidades, os nomes que surgem mantêm uma relação próxima com a família Bolsonaro.
— Vale mais prezar a qualidade do que a quantidade. Vimos no PSL figuras que surfaram a onda Bolsonaro e agora estão jogando contra o governo. Então, nem sempre você eleger uma pessoa é bom. Tem que ser uma pessoa verdadeiramente alinhada, mas quem vai definir os critérios de apoio é o próprio presidente — diz o deputado estadual de Minas Gerais Bruno Engler, que deseja seguir o presidente rumo ao Aliança.
Fundador do Direita Minas, Engler, de 22 anos, teve o apoio da família Bolsonaro quando se candidatou a vereador em Belo Horizonte, em 2016, e no ano passado, ao se eleger para a Assembleia Legislativa de Minas. Apontado como candidato certo de Bolsonaro na capital mineira, Engler diz estar confiante de que o Aliança estará apto para as eleições, mas sem descartar buscar outro caminho caso a estratégia naufrague.
— Agora é tempo de trabalhar para que o Aliança esteja pronto nas eleições municipais, mas eu coloquei meu nome à disposição. Se o presidente Bolsonaro entender que eu sou o melhor nome para a missão, eu vou abraçála. A palavra final é dele, não minha — disse Engler, que acompanhou Bolsonaro em agendas em Minas Gerais e no Rio na semana passada.
Para atingir o sonho de se lançar à prefeitura do Rio de Janeiro, o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) já ensaia se desfiliar do PSC do governador Wilson Witzel. Bolsonarista convicto, busca o Aliança, mas, caso a legenda não seja homologada a tempo, já recebeu orientação da família presidencial sobre qual alternativa buscar.
— Fui orientado pelo Flávio (Bolsonaro) a procurar o Patriota. Acho que ali as portas estão abertas — disse Otoni.
O parlamentar diz ter se colocado à disposição de Bolsonaro para ser candidato à prefeitura e afirma ter recebido a garantia de que deve “seguir em frente”. Otoni conta que deixará o PSC de qualquer jeito, mesmo sob o risco de perder o mandato na Câmara.
— Quando o governador (Witzel) tomou partido contra o presidente (Jair Bolsonaro), eu, como aliado do presidente, tive de me posicionar e, ao fazer isso, perdi a vice-liderança do partido na Câmara, porque o governador ligou exigindo minha saída. O clima no partido ficou muito ruim — disse Otoni.
O deputado conta ter entrado no PSC por meio de um acordo com o presidente da legenda, Pastor Everaldo, mas, diante do resultado expressivo que teve em 2018, ao ser eleito com 220 mil votos, diz que quer seguir outros caminhos.
Em Campinas, a 90 quilômetros de São Paulo, o nome que deve ganhar o apoio de Bolsonaro é o do vereador e tenente da Polícia Militar Nelson Santini Neto, atualmente filiado ao PSD.
Aos 37 anos e no primeiro mandato, ele é filho do general Nelson Santini Junior, morto em 2015, e irmão de José Vicente Santini, número 2 da Casa Civil.
Ex-integrante da Rota, tropa de elite da PM paulista, ele é próximo ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e recebeu o apoio do clã em sua eleição.
Tenente Santini, no entanto, reconhece que há um impasse sobre o seu futuro na legenda. Por ora, está empenhado em estruturar o Aliança em Campinas, tendo inclusive alugado uma casa para servir de escritório.
— Tenho duas opções: se o Aliança não sair, eu não concorro. Ou procuro um outro partido de direita que me dê a legenda para concorrer — diz Santini, que não vê muitas possibilidades de poder disputar a prefeitura pelo PSD.
Planos para SP
Em São Paulo, Bolsonaro já manifestou vontade de lançar candidatos. Entre os nomes que circulam pela proximidade com a família estão Edson Salomão, presidente e um dos fundadores do Direita São Paulo, e o deputado estadual Gil Diniz (PSL-SP). O presidente sonha, no entanto, convencer o apresentador José Luís Datena a se candidatar. Datena, por suas vez, já desistiu de concorrer em pleitos anteriores.
Filiado ao PSD, o deputado federal Éder Mauro (PA) negocia uma saída consensual da legenda para se lançar à prefeitura de Belém. O PSD prometeu a legenda a outro candidato e, com isso, deve liberar Éder Mauro para deixar o partido mantendo o mandato.
Aliança deve pedir biometria esta semana ao TSE
Os advogados do Aliança pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro quer criar, pretendem formalizar esta semana um pedido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para verificar a possibilidade de utilizar um aplicativo com biometria a fim de coletar as 492 mil assinaturas necessárias para a criação da legenda. Karina Kufa e Admar Gonzaga, ex ministro do TSE, aguardam apenas o número do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) do partido para entrarem com a petição.
A expectativa dos advogados é receber a identificação jurídica nos próximos dias. Sem ela, o Aliança não pode formalizar ações junto à Corte Eleitoral. Apesar da indefinição, um aplicativo já foi desenvolvido para fazer a coleta das assinaturas. Trata-se de um programa que poderá ser baixado por qualquer aparelho de celular, independentemente do sistema operacional. Assim, os apoiadores poderão repassar seus dados apenas colocando a digital na tela do telefone.
O Tribunal Superior Eleitoral já identificou de forma biométrica 111,6 milhões de eleitores no Brasil, de um eleitorado total de 147,4 milhões. O número significa que três em cada quatro eleitores já estão cadastrados no sistema biométrico da Corte.
O aplicativo elaborado pelo Aliança também vai ter as opções de coletar apoio por certificação digital e pelo método tradicional. Será oferecida uma ficha, que poderá ser impressa para ser assinada.
O apoiador que endossar o partido não pode estar filiado a qualquer outra legenda. Além da exigência nacional de 492 mil apoios, é necessário que haja moradores de pelo menos um terço dos estados brasileiros e que, em cada um deles, o número de apoios seja equivalente a, no mínimo, 0,1% do eleitorado que votou para deputado federal em 2018 nessas unidades da federação.
As assinaturas precisam ser checadas pelos cartórios eleitorais, o que demora e pode postergar a criação da legenda para depois das eleições municipais. Ao buscar a permissão para coletar os apoios por biometria, os advogados de Bolsonaro tentam acelerar este processo.
Esta semana, o TSE deve permitir que a coleta de apoiamentos para a criação de um partido seja feita por assinatura eletrônica, mediante certificação digital, segundo dois ministros ouvidos pelo GLOBO. A sessão da semana passada foi adiada após um pedido de vista do ministro Luís Felipe Salomão. O caminho livre para esse mecanismo, no entanto, não deve resolver o problema de Bolsonaro, porque o custo da certificação é considerado alto.