O Globo, n. 31504, 08/11/2019. País, p. 8
Toffoli: Congresso pode mudar regra de novo
Dimitrius Dantas
Guilherme Caetano
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, afirmou, em entrevista após o julgamento sobre a prisão em segunda instância, que o Congresso Nacional poderá, sim, legislar sobre o assunto. De acordo com o novo entendimento da Corte, a execução da pena só pode começar após sentença de condenação transitada em julgado, ou seja, quando não há mais recursos disponíveis ao réu. Com a declaração, Toffoli sinalizou que não se trata de cláusula pétrea da Constituição:
— O Parlamento pode alterar esse dispositivo. O Parlamento tem autonomia para dizer, neste momento, sobre eventual prisão em razão de condenação (em segunda instância).
Senadores e deputados estudam propostas que mudariam a Constituição e que poderiam terminar com a discussão sobre a legalidade ou não da prisão após a segunda instância.
Contudo, há controvérsia entre juristas se uma mudança na legislação que permita a prisão após a segunda instância é possível ou não. Quem defende a exigência do trânsito em julgado acredita que essa regra é uma cláusula pétrea da Constituição e, portanto, não pode ser alterada. No entanto, para os defensores da medida, permitir que o réu recorra a uma instância superior já seria o suficiente para atender o direito de ampla defesa.
Em encontro com senadores na terça-feira, Toffoli já havia sinalizado que o tema não é cláusula pétrea. Um grupo de parlamentares articula a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) na Casa.
‘PEC dos recursos’ é a saída constitucional
Rafael Mafei Professor da Universidade de São Paulo (USP)
Na minha opinião, não seria inconstitucional. Existe a saída que foi proposta na chamada “PEC dos Recursos”, elaborada com participação importante do então presidente do STF Cezar Peluso. Pela PEC, os recursos ao STJ e STF perderiam a natureza de “recursos” e passariam a ser ações autônomas — ou seja, uma nova ação, que não impediria o término da ação anterior. O núcleo do direito ao contraditório, ampla defesa e direito ao recurso é bem atendido por um sistema que preveja duas instâncias, a segunda com ampla possibilidade de revisão da primeira decisão. O dispositivo legislativo que mais explicitamente prevê o direito fundamental ao recurso é a Convenção Americana de Direitos Humanos, que fala do “direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente”, e que “tal recurso não pode ser restringido nem abolido”. Dito isso, é preciso reconhecer que tribunais estaduais e regionais são, muitas vezes, reiterados desobedientes das orientações de tribunais superiores, especialmente para prejudicar os réus. Contam com as limitações das defesas, especialmente dos réus presos, e deixam de atender a jurisprudência. Sem prejuízo do trânsito em julgado, é importante que os tribunais superiores sejam sensíveis e consigam corrigir injustiças dessa natureza.
Outro conceito de trânsito em julgado seria retrocesso
Conrado Almeida Corrêa Gontijo Criminalista e professor do Instituto do Direito Público
O direito à presunção de inocência, tal como consagrado na Constituição Federal, assegura, de forma clara, que a possibilidade de execução da pena apenas se inicia depois do trânsito em julgado da decisão condenatória. O trânsito em julgado ocorre quando termina, por completo, a possibilidade de interposição de recursos contra qualquer condenação. Foi nessa extensão que o legislador que participou da Assembleia Constituinte assegurou o direito fundamental à presunção de inocência: não há culpa, e consequentemente prisão pena, até a última decisão do Poder Judiciário. E, tratando-se de um direito fundamental, há uma vedação ao retrocesso, aceita em todos os países do mundo. Por esse motivo, ainda que se busque artificialmente modificar o conceito de trânsito em julgado (para antecipá-lo, por exemplo) não acredito que se poderá abandonar o critério acolhido pelo constituinte: a presunção cessa quando cessa, por completo, a discussão judicial sobre o caso. Qualquer tentativa de alteração desse referencial implicará limitação do espectro de proteção do direito fundamental. Ou seja, implicará retrocesso, o que não pode ser admitido.