O Globo, n.31.587, 30/01/2020. País. p.08

Em janeiro mais chuvoso da história na capital, Minas tem 55 mortos
Pedro Medeiros 
Rayandernson Guerra 



O temporal que caiu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, na noite de anteontem, deixou um rastro de destruição. Nas regiões Oeste e Centro-Sul, as mais atingidas, carros foram arrastados, o asfalto foi arrancado e crateras se abriram nas principais vias da cidade. O número de mortos no estado, por causa das fortes chuvas que castigam Minas desde a semana passada, subiu para 55, de acordo com boletim da Defesa Civil estadual. Quase 45 mil pessoas estão desalojadas e desabrigadas.

Janeiro é o mês mais chuvoso da história de Belo Horizonte desde o início da medição climatológica, há 110 anos, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). A cidade completou 121 anos em dezembro passado. Até agora, o primeiro mês de 2020 acumulou 932,2 milímetros de chuva no município, de acordo com o Inmet, mais da metade do previsto para todo o ano. O recorde anterior era de janeiro de 1985, quando o acumulado foi de 850,3 milímetros.

A publicitária Poliana Antonini, moradora de um dos bairros mais afetados de Belo Horizonte, conta que não conseguiu dormir de terça para quarta-feira. Grávida de 8 meses e síndica do seu prédio, ela viu a garagem encher de água pelas câmeras de segurança.

— Eu acho que deu perda total em todos os carros. A água chegou no capô dos veículos, a gente ficou pela câmera e não podia fazer nada. Teve um morador mias idoso que tentou até tirar o carro, mas desistiu por causa da correnteza — diz Poliana. — Eu fiquei muito agoniada, só olhava e chorava.

Em meio aos estragos póschuva, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) afirmou em entrevista coletiva, ontem à tarde, que “o que aconteceu ontem em Belo Horizonte inundaria Paris, Boston ou Nova York”, pediu paciência da população com o poder público e que, mesmo diante dos estragos causados, “vai ter carnaval, sim”.

—O que aconteceu ontem em Belo Horizonte inundaria Paris, Boston ou Nova York. Nenhuma cidade do mundo resiste a 183 milímetros de água em três horas —afirmou o prefeito, garantindo a folia.

— Cai um avião, fecha-se o aeroporto. Cai uma chuva, acaba o carnaval. O carnaval não tem dinheiro público. O povo é obrigado só a sofrer? Nós temos que limpar e cuidar desta cidade agora.

O presidente Jair Bolsonaro vai viajar para Minas Gerais hoje para sobrevoar as áreas atingidas pelas fortes chuvas no estado. A previsão é que a visita ocorra no período da tarde, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ontem, o Ministério do Desenvolvimento Regional liberou R$ 7,7 milhões para “execução de ações de Defesa Civil” na cidade. (*Estagiário sob supervisão de Rayanderson Guerra. Colaboraram Camila Zarur e Camila Bastos, especial para O GLOBO)

OS RIOS DE BH

Na noite de terça-feira, o Córrego do Leitão voltou à superfície da região Centro-Sul de Belo Horizonte, deixando rastros de inundação por cerca de sete quilômetros até chegar ao Rio Ribeirão Arrudas, que também transbordou. As cenas de destruição no percurso assustaram os moradores

PASSO A PASSO DA TRAGÉDIA

1 O Leitão nasce na altura do Shopping Ponteio, no bairro Santa Lúcia, e é logo canalizado. Por baixo de vias e avenidas, atravessa os bairros São Bento, Santo Antônio, Lourdes e Centro até desaguar no Ribeirão Arrudas

2 A maior parte do Córrego do Leitão está escondida sob a Avenida Prudente de Morais, uma via sanitária que foi construída na década de 70, após as obras que tamparam o curso d’água. É uma avenida bastante movimentada. Ao longo dos seus 2 quilômetros existem muitos estabelecimentos de comércio e prédios residenciais que, em sua maioria, são de luxo ou de classe média alta

3 A continuação da avenida é a Rua São Paulo, que passa por uma das regiões mais caras e luxuosas de Belo Horizonte: a Praça Marília de Dirceu, no bairro Lourdes. Ali ficam restaurantes conceituados, como o Glotoun, sob o comando do Chef Leo Paixão (jurado do programa Mestre do Sabor). Imagens das águas invadindo estes estabelecimentos viralizaram nas redes sociais

4 A água seguiu para o centro da cidade, passando pelas ruas Padre Belchior, Tupis e Mato Grosso, onde encontrou o Ribeirão Arrudas. O Mercado Central, ponto turístico da capital mineira que fica na região, foi um dos edifícios que foram alagados pelo Córrego do Leitão