O Globo, n.31.587, 30/01/2020. Economia. p.25

Crédito Caro
Renata Vieira 
Pedro Capetti



Apesar da queda da taxa básica de juros, a Selic, ao longo de 2019, que levou o indicadora 4,5% ao ano, o mais baixo da história, os clientes do sistema financeiro não foram beneficiados. Os juros do cheque especial e do cartão de crédito terminaram o ano passado acima de 300% ao ano, revelou ontem o Banco Central (BC). Os juros rotativos do cartão de crédito ainda tiveram aumento em 2019, passando de 285,4% ao ano em 2018 para 318,9% em dezembro passado.

Enquanto isso, os bancos também aumentaram o spread bancário, ou seja, a diferença entre o custo de captação do dinheiro e o que efetivamente é cobrado dos clientes, beneficiando diretamente seu caixa. Em 2019, essa fatia cobrada de pessoas físicas e jurídicas fechou em 18,4 pontos percentuais ao ano, um aumento em relação aos 17 pontos percentuais cobrados em dezembro de 2018.

Os dados do BC mostram que a taxa do cheque especial, uma das modalidades de crédito mais caras do país, caiu em dezembro para 302,5% ao ano. Foi uma queda de 10,1 pontos percentuais em relação à cobrada em dezembro de 2018, quando o custo estava em 312,6% ao ano.

A partir de 6 de janeiro, por decisão do BC, os bancos precisam limitar em até 8% os juros mensais do cheque especial — em dezembro estava em 12,3% —, o que fará com que a taxa anual gire em torno de 150%, metade da praticada atualmente.

O chefe adjunto do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Renato Baldi ni, explica que, apesar de elevado, o custo dos juros médios do cartão de crédito ainda é menor que o verificado antes de abril de 2017, quando passaram a valer novas regras para a modalidade.Desde então, o cliente não pode ficar mais de 30 dias no rotativo, e os bancos precisam oferecer parcelamento para solucionar o débito.

Perguntado se o desalinho entre a redução de custo do cheque especial e o avanço dos juros no cartão, mesmo coma Selic mais baixa da história, é uma decisão dos bancos, Baldini disseque o cartão de crédi toé um produto mais complexo, eque o cenário não tem relação coma atuação do BC:

— (Isso) não tem relação com apolítica monetária.

Em paralelo, a taxa de inadimplência para pessoas físicas, quando considerados os recursos livres—aqueles emprestados pelos bancos sem direcionamento de preço do governo—continua estável, com viés de queda. Em dezembro, ficou em 3,5%.

Na avaliação do diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, a distorção que se verifica nas taxas de juros do cartão de crédito está ligada à baixa concorrência do sistema financeiro brasileiro.

— Nada explica essas taxas de juros, essa distorção. A questão que ficaé essa concentração bancária. É um alinha de crédito que não tem muita alternativa, você não pesquisa taxas de juros, não troca de cartão de crédito toda hora, diferentemente de um empréstimo, que se busca onde está mais barato, ou um financiamento de veículo —explica.

Na avaliação de Flávio Calife, economista da Boa Vista SCPC, o spread só cairá com o aumento da concorrência entre os bancos, principalmente coma entrada dasf in techs no mercado. Isso diminuirá, segundo ele, o domínio das grandes instituições bancárias.

—O spread é composto por inadimplência, tarifas, custos e pela margem dos bancos. Enquanto você não tem diminuição da margem, com aumento da concorrência, teremos um pouco de dificuldade para que a taxa caia —ressalta.

Um dos impactos pode ser a dificuldade de fomentar o consumo das famílias, num momento em que o cenário externo começa a se tornar uma ameaça para o crescimento econômico global. Segundo dados do Banco Central, o estoque de crédito às famílias progrediu de 26% do PIB em dezembro de 2018 para 27,6%, no fim de 2019.

— O país poderia estar crescendo mais com juros baixos ao consumidor e empresa. Pessoas e empresas pagam caro para tomar crédito. Reduzir a taxa permite mais consumo, as pessoas consomem mais, as empresas precisam contratar e produzir mais, e com isso aumenta a renda disponível —disse Oliveira.

BB: ‘BANCOS NÃO SÃO CARTEL’

O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, afirmou em evento em São Paulo que a queda do spread vai acontecer naturalmente, fruto da concorrência:

— Os bancos não funcionam como um cartel. Há uma competição feroz. É falacioso dizer que não há competição no setor bancário.

Conseguir um empréstimo consignado, com desconto em folha, e financiar um veículo ficaram mais baratos. No caso do crédito consignado para as famílias, caiu de 24,2% em 2018 para 20,5% ao ano, mínima histórica para essa taxa nos últimos vinte anos.

Na compra de veículos, a taxa média caiu para as pessoas físicas, de 21,7% para 19,2% ao ano, configurando também uma nova mínima histórica, desde junho de 2000, quando o dado começou a ser medido.

Seguindo a tendência de aquecimento da economia, o estoque total de crédito no Brasil subiu 6,5% em 2019, chegando a R$ 3,471 trilhões. É a segunda alta real desde 2017. Para as famílias os bancos concederam 11,7% mais crédito em 2019 do que em 2018. Para as empresas, a alta foi bem menor, de 0,2%.

O avanço do crédito foi puxado pelo crédito livre, sem regulação nos juros pelo governo, que cresceu 14,1% em 2019. Esse movimento vai ao encontro dos objetivos da União, que quer elevar a participação do crédito privado no sistema financeiro, em substituição aos recursos públicos, como vem enfatizando o próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto.

“Nada explica essas taxas de juros, essa distorção. A questão que fica é essa concentração bancária” _

Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor da Associação Nacional de Executivos de Finanças(Anefac)

 

Contas do governo fecham 2019 com rombo de R$ 95 bi
Manoel Ventura 

 

As contas do governo encerraram o ano de 2019 com um rombo de R$ 95 bilhões no Orçamento. O número representa uma diferença de cerca de R$ 44 bilhões em relação ao previsto inicialmente, graças a receitas extraordinárias, como o megaleilão do pré-sal, ocorrido em novembro.

Os números foram divulgados ontem pelo Tesouro Nacional. O governo estava autorizado, pelo Congresso, a ter um rombo de até R$ 139 bilhões no ano passado.

Mesmo negativo, o número de 2019 é o melhor resultado das contas públicas desde 2014, quando o rombo registrado foi de pouco mais de R$ 30 bilhões. Esse valor abriu uma sequência de déficits no Orçamento federal, que só deve entrar no azul a partir de 2023. Em 2018, o déficit somou R$ 120 bilhões.

— Não é um resultado para se alegrar e soltar fogos. A situação fiscal do Brasil ainda é muito frágil — disse o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu, durante a campanha eleitoral do então candidato Jair Bolsonaro, zerar o déficit público no primeiro ano de governo, o que não ocorreu.

Guedes chegou a dizer, no ano passado, que o déficit de 2019 seria ainda menor, na casa de R$ 70 bilhões. Esse número também acabou não se confirmando. O governo gastou mais que o previsto em dezembro com, por exemplo, uma injeção de R$ 10 bilhões em estatais. Foi o caso da capitalização de R$ 7,6 bilhões numa empresa da Marinha para construção de corvetas. Para este ano, a expectativa é de um rombo de R$ 124 bilhões.

Para conseguir chegar ao resultado melhor em 2019, o governo contou principalmente com a arrecadação extra dos leilões de petróleo e com antecipação de dividendos de estatais. Do lado da despesa, o governo gastou menos que o autorizado por conta de um fenômeno chamado de empoçamento. Por ele, os valores são autorizados, mas acabam não sendo gastos.

Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), afirma que, sem os leilões, o déficit seria ainda de três dígitos:

— É um nó difícil de se desatar sem mudanças estruturais no gasto obrigatório.

O resultado do ano passado foi puxado pelo déficit do Regime Geralda Previdência, que paga as aposentadorias e pensões do INSS. O rombo subiu de R$ 195 bilhões em 2018 para R$ 213 bilhões. Tesouro e Banco Central, que compõem a conta, tiveram superávit de R$ 118 bilhões em 2019.