Título: Decisão de R$ 12 bilhões
Autor: Mariana Carneiro e Samantha Lima
Fonte: Jornal do Brasil, 10/04/2005, Economia & Negócios, p. A19

Congresso decide esta semana se população fluminense opinará sobre separação da capital, o que tiraria do estado metade da receita

Nesta quarta-feira, o Congresso decide se os cidadãos do Rio de Janeiro terão direito a votar pela separação da capital carioca do Estado. Se levada a cabo, a desfusão encheria os cofres da cidade do Rio em R$ 12,3 bilhões em impostos até então recolhidos pelo Estado. São receitas vindas de tributos como ICMS e IPVA, que atualmente vão para o Estado.

Apesar de recolher 60% do ICMS arrecadado pelo Estado, a capital só recebe de volta 8,8%, o equivalente a R$ 978 milhões ao ano. Com a mudança, a Cidade-Estado passaria a arrecadar R$ 6,65 bilhões desse tributo. Dos R$ 460 milhões recolhidos com o IPVA, o estado transfere para todos os municípios R$ 359 milhões, embora 64% da receita venham dos carros emplacados na capital. Critérios como esse engrossam a defesa da separação, 30 anos após a unificação.

Um dos ferrenhos defensores da separação, o economista Paulo Rabello de Castro esboçou uma detalhada proposta sobre como seriam as finanças da Cidade-Estado. Nela, as receitas da capital incluiriam parcela da arrecadação feitas por autarquias de acordo com uma divisão que traria para a esfera municipal a Suderj (leia-se Maracanã) e o Metrô Rio e ganharia parcelas de participação de outros tantos, como a Junta Comercial do Estado do Rio (Jucerja), Detran e Companhia de Desenvolvimento Rodoviário e Terminais do Estado (Coderte) - que administra a outorga, entre outros, do terminal Menezes Côrtes. A responsabilidade do município avançaria ainda, segundo a proposta, sobre o Teatro Municipal, a Casa França-Brasil e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

- Quando houve a fusão, o Estado do Rio deveria ter recebido uma contrapartida porque a Guanabara passou a gastar mais do que arrecadava, já que o Estado era muito pobre. Estamos no momento ótimo para a divisão, quando o Estado não perderia tanto e a cidade continuaria ganhando. Se não houver a separação, em 10 anos, a capital será totalmente dependente da arrecadação do Estado e a desfusão não será mais possível - avalia Castro, do Instituto Atlântico.

Na hipótese da desfusão, do atual Produto Interno Bruto (PIB) estadual, de R$ 181 bilhões, a Cidade-Estado ficaria com R$ 93,07 bi (51%) e o Estado teria R$ 88,7 bi (49%).

Mas nem tudo são flores nesta nova hipotética realidade. As despesas cresceriam em linha com as receitas, como em segurança pública e ensino médio, hoje atribuições do Estado. Somente para financiar a estrutura do judiciário no seu território seria um incremento de R$ 520 milhões e do Ministério Público, R$ 112 milhões. Com penitenciárias, seriam mais outros R$ 730 milhões e com uma nova Secretaria de Segurança Pública, outros R$ 6 bilhões, o equivalente a 80% dos gastos atuais do Estado nas rubricas.

Segundo Rabello de castro, o saldo entre receitas e despesas estimado ficaria em R$ 1 bilhão. Em estudo paralelo apresentado pela Secretaria estadual de Planejamento, o resultado seria um déficit de R$ 336 milhões na Cidade-Estado.

- O incremento na receita do município do Rio não compensa o custo de se criar uma máquina administrativa nem o aumento da dívida da nova unidade da federação. A dívida que cada carioca carrega seria multiplicada por quatro, passando de R$ 7,6 bilhões hoje para R$ 29,9 bilhões, já que, dos R$ 43,7 bilhões que o estado deve hoje, R$ 22 bilhões seriam repassados à cidade-estado. É um presente de grego - afirma Ryff.

Desde 1975, a cidade e o Estado dividem a mesma realidade financeira, o que inclui uma dívida de R$ 43,78 bilhões. Com a separação, a dívida da Cidade-Estado chegaria a R$ 30 bilhões - somando-se os compromissos do município.

Segundo Ryff, o endividamento do município do Rio pioraria com a desfusão.

- Uma das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal define que o serviço da dívida (amortização mais juros) não pode ultrapassar o limite de 13% da dívida líquida real. Esse percentual, que é de 10,57% para a capital, passaria para 11,36% para a Cidade-Estado - opina.

O secretário também defende a permanência da atual estrutura por acreditar que a separação empobreceria o interior do Estado, o que acabaria prejudicando a Cidade-Estado.

- A elevação de R$ 6 bilhões na receita com ICMS para a cidade-estado reduziria de R$ 1,8 bilhão para R$ 1,1 bilhão o repasse para os demais municípios. E os mais prejudicados seriam os da Baixada Fluminense, por serem mais populosos. Não acho vantajoso esse ganho na receita para a cidade-estado, se ela tem de ficar cercada de municípios mais pobres.

Ryff alerta que, ao contrário do que pensam os defensores da desfusão, os critérios para repasse de royalties do petróleo não mudariam. Segundo o secretário, o município recebe hoje aproximadamente 0,5% do total arrecadado que, em 2003, foi de R$ 2,9 bilhões, segundo informações do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O repasse é determinado pela produção de petróleo e gás do município, que no caso do Rio de Janeiro é nula, e pela presença de unidades de apoio à atividade de exploração, produção e processamento, que justificam os repasses atuais. A Agência Nacional de Petróleo informa que, caso ocorra a separação, o percentual a ser repassado à Cidade-Estado dependeria dos limites estabelecidos para o novo estado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas algumas fontes acreditam que, como os critérios não mudariam, o repasse não teria variações significativas.

O economista Istvan Kaznar, da Fundação Getúlio Vargas, acredita que a desfusão enfraqueceria ambas as partes.

- A separação vai criar uma guerra fiscal entre a Cidade-Estado e o que sobraria do estado. Sem falar que o investidor não vai mais ter a noção de magnitude do mercado das duas unidades juntas, o que pode afastá-lo. Além disso, a desfusão criaria um Produto Interno Bruto (PIB) fictício para a cidade do Rio. A Petrobras, por exemplo, sediada na capital, centraliza toda a receita que, na verdade, é gerada no interior. Isso vai favorecer que Estados mais pobres pleiteiem repasses, dilapidando ainda mais a receita.

Na prática, o Rio se tornaria um modelo próximo ao hoje existente no Distrito Federal. Passaria a contar com 3 representantes no Senado. Na Câmara, a representatividade obedederia uma proporção que leva em conta o número de habitantes. A atual Câmara de Vereadores desempenharia o papel de assembléia legislativa.