O Globo, n.31.587, 30/01/2020. Sociedade. p.34

Novo vírus supera Sars em total de casos na China



O número de infecções pelo novo coronavírus na China superou o registrado pela epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave, a Sars, ocorrida no país entre 2002 e 2003, segundo dados oficiais divulgados ontem.

Em pouco menos de um mês desde o registro do primeiro caso, as autoridades de saúde chinesas relataram 7.711 diagnósticos confirmados da doença e 170 mortos na China continental. A Comissão Nacional de Saúde (CNS) informou ainda que estão sendo monitorados mais de 9 mil casos suspeitos. Já o vírus da Sars, também um coronavírus, infectou um total de 5.327 pessoas na China continental e causou 349 mortes no país.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a epidemia de Sars deixou 774 mortos, entre os 8.096 casos registrados no mundo todo em 2002 e 2003, antes de ser controlada. Até agora, a letalidade do novo coronavírus, nomeado 2019-nCoV, vem sendo considerada menor. Essa informação, porém, é apenas indicativa, pois o número real de pessoas infectadas é desconhecido. Pacientes com poucialistascos ou nenhum sintoma não foram detectados.

Assim como o Sars, o novo vírus que apareceu em Wuhan em dezembro é transmitido entre pessoas e causa sérios problemas respiratórios. Os dois pertencem à mesma família de coronavírus e têm 80% de semelhanças genéticas, mas o 2019-nCoV é menos “forte” e mais contagioso.

Por outro lado, o novo vírus tem um período de incubação de até duas semanas, e o contágio é possível mesmo antes do aparecimento dos sintomas, “que também são muito diferentes dos da Sars”, disse Ma Xiaowei, chefe da CNS chinesa.

‘EMERGÊNCIA GLOBAL’

Também ontem, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, anunciou que vai se reunir novamente hoje com o comitê de especialistas da organização para decidir se declara a epidemia uma “emergência global”. Há uma semana, ele havia avaliado que ainda era cedo para tal. Mas, nesta segunda-feira, ele se corrigiu, elevando o risco do surto de “moderado” para “alto”.

Isso porque, segundo espeUma em saúde pública e em diplomacia, a agência das Nações Unidas está tentando equilibrar a necessidade de garantir que a China continue compartilhando informações sobre o vírus, enquanto orienta cientificamente a comunidade internacional sobre seus riscos.

Na última década, a OMS declarou cinco emergências globais, incluindo a atual epidemia de ebola na República Democrática do Congo.

Uma declaração levaria ao aumento de medidas de saúde pública, financiamento e recursos para prevenir e reduzir a disseminação global. Pode incluir recomendações sobre comércio e viagens, embora a OMS geralmente tente evitar restrições comerciais perturbadoras, pois pode haver grave impacto econômico.

Porta-voz do órgão, Christian Lindmeier reafirmou que os critérios da OMS para uma emergência global incluem uma situação de saúde “séria ou incomum”, que afete outros países e exija uma resposta internacional coordenada. Emresp os taàperg unta deumjorn alista, disse: “Não está se espalhando muito fora da China”.

Enquanto agrande maioria dos mais de 7 mil diagnósticos confirmados e todas as 170 mortes até agora tenham ocorridonaChina, casos na Alemanha, Vietnã, Taiwane Japão, onde o vírus se espalhou de pessoa para pessoa, aumentaram as preocupações.

—À medida que as informações chegam, parecem confirmar nossos piores temores— disse Lawrence Gostin, professor da faculdade de Direito de Georgetown, em Washington (EUA).

— Então acredito que a OMS terá que declarar uma emergência e terá que assumir a liderança. Você não pode deixar isso para a China.

PÂNICO NA CAPITAL

Enquanto isso, a nova epidemia causa pânico nas principais cidades chinesas. Em Pequim, os moradores deixaram de frequentar lojas e locais públicos. Os centros comerciais da capital do país, geralmente lotados, estão vazios, e apenas alguns veículos se aventuram nas avenidas silenciosas, dando à megalópole de mais de 20 milhões de habitantes o ar de uma cidade fantasma. As autoridades incentivam as pessoas a ficarem trancadas em casa e, se saírem, a usarem máscara.

Nas estações de metrô e de trem, agentes medem a temperatura de pessoas que suspeitem estar com febre.


Descoberta de vacina pode demorar até um ano


Pesquisadores nos Estados Unidos, Europa, China e Austrália correm contra o tempo para criar uma vacina para o novo coronavírus.

Vas Narasimhan, diretor executivo da multinacional Novartis, que liderou os esforços da indústria farmacêutica para conter a epidemia de H1N1, em 2009, afirmou que uma vacina deve levar pelo menos um ano para chegar ao mercado.

Em entrevista à Bloomberg, ele disse que a resposta ao coronavírus depende de análise mais detalhada do patógeno.

—Precisamos entender melhor a biologia do vírus. A curto prazo, a melhor chance é testar antivirais já existentes, e muitos fabricantes estão doando medicamentos ao governo chinês para que teste se são eficazes —disse Narasimhan.

Segundo ele, vacinas candidatas devem surgir em um prazo de seis meses até um ano. Depois, elas serão testadas em animais e em humanos e, caso aprovadas, distribuídas em grande escala.

Na terça-feira, o jornal South China Morning Post divulgou que cientistas de Hong Kongt ambé min ciaram o desenvolvimento de uma vacina.

Yuen Kwok-yung, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Hong Kong, se baseou em uma vacina de spray contra a gripe desenvolvida por sua própria equipe anteriormente. Os pesquisadores modificaram a vacina com parte do antígeno do coronavírus.

Mas a futura vacina ainda levará meses para ser testada em animais, e pelo menos um ano para iniciar os testes em humanos e produzida em larga escala.

SIMULAÇÕES DIGITAIS

Na China, pesquisadores do Instituto de Matéria Médica de Shangai anunciaram que um medicamento usado em combinação com outros para tratamento contra o HIV pode ter ação efetiva contra o coronavírus. O estudo simulou a ação do antiviral nelfinavir contra um modelo digital do patógeno.

Para apontar o nelfinavir como droga candidata para atacar o 2019-nCoV (acrônimo que designa o novo coronavírus), o líder do estudo, ZhijianXu,e sua equipe, extraíram 1903 drogas candidatas de um banco dedados com as estruturas tridimensionais dos medicamentos.

Para verificar se algum deles poderia afetar o 2019nCoV, os cientistas começaram a trabalhar comparando sequências do código genético do novo vírus com sequências do vírus da Sars, o coronavírus da epidemia que ocorreu em 2002 e 2003. Com base nessa comparação, o laboratório reconstruiu em computador um modelo tridimensional das proteínas de superfície do novo vírus.

Pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos e os laboratórios Johnson & Johnson também começaram a desenvolver possíveis vacinas. Elas levarão três meses em teste de fase 1 e mais três meses para obter dados antes de, eventualmente, iniciarem um teste de fase 2, com um número maior de pessoas.

Na Austrália, cientistas conseguiram, pela primeira vez fora da China, fazer uma cópia do coronavírus, o que seria um passo importante na luta contra o atual surto de pneumonia. O Instituto Melbourne Doherty criou um novo 2019-nCoV a partir da amostra obtida de um paciente infectado.

— Isso significa que agora temos a capacidade de validar e verificar todos os nossos testes e comparar reações e sensibilidades — disse um dos diretores do laboratório, Julian Druce.

A China já havia sequenciado o genoma do novo coronavírus, mas não compartilhou o micro-organismo com os laboratórios, o que o instituto australiano fará agora, por meio da OMS. De acordo com o vice-diretor do Instituto Doherty, Mike Catton, essa réplica do novo vírus chinês permitirá que os cientistas criem anticorpos para teste, para que seja possível detectar o vírus nos pacientes antes mesmo de eles desenvolverem os sintomas da doença.