O Globo, n. 31527, 01/12/2019. País, p. 10

Os primos internacionais do Aliança pelo Brasil

Guilherme Caetano


Conservadorismo, nacionalismo religioso e populismo. Com esse tripé, segundo estudiosos, o partido Aliança pelo Brasil, lançado no último mês pelo presidente Jair Bolsonaro e dissidentes do PSL, se aproxima ideologicamente de outras siglas conservadoras ou da extrema direita internacional. O partido não está oficialmente criado, mas uma análise de seu programa o coloca na mesma família do documento fundador da sigla espanhola Vox e da húngara Jobbik, além de guardar também semelhanças com a plataforma da ala do Partido Republicano mais ligada ao presidente dos EUA, Donald Trump. Fundado em 2013, o Vox cultiva uma retórica contra as elites políticas e intelectuais, além de defender políticas migratórias mais duras e não poupar de críticas à União Europeia. Santiago Abascal, líder do partido, tem um discurso parecido com o de Bolsonaro, principalmente contra o que chama de “ditadura progressista”, com ataques à comunidade LGBTI. Assim como Bolsonaro, Abascal defende a posse de arma: “Tenho uma (pistola) Smith & Wesson em casa. A princípio, era para proteger meu pai do ETA. Agora, meus filhos. Defendo que todo mundo possa ter uma arma”, disse ele.

Já o Jobbik, criado em 2003, é o principal partido da direita nacionalista radical da Hungria, visto por especialistas com a característica de imprimir um populismo com viés autoritário.

Ao se inspirar no partido de Trump, Bolsonaro reforça justamente o lado conservador com que pretende administrar o Aliança. A cada quatro anos, antes da disputa presidencial, os republicanos elegem uma nova plataforma. A última, de 2016, deu uma guinada ainda mais à direita do que a anterior ao se opor ao casamento gay, direito garantido pelo Suprema Corte, e ao defender a inclusão da Bíblia no currículo escolar.

— Há, sim, similaridades com algumas propostas de partidos conservadores da Europa. Nos Estados Unidos, a inspiração maior foi o Partido Republicano — afirma o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança, um dos autores do estatuto do Aliança.

Contra o “sistema”

Há uma iniciativa defendida pelo Vox já implementada por Bolsonaro. O partido prega, por exemplo, a criação de um Ministério da Família na Espanha, já colocada em prática no Brasil. Referência internacional em estudo sobre populismo, o cientista político holandês Cas Mudde diz que um traço singular de Bolsonaro é o fato de ele ter ascendido ao poder sem uma plataforma política estruturada.

— A extrema direita é cada vez mais generalizada e normalizada, com partidos dessa linha no poder nos principais países (por exemplo, Brasil, Índia, EUA) ou considerados parceiros normais da coalizão em vários outros (por exemplo, Áustria, Dinamarca, Itália). Seus problemas, quadros e posições são frequentemente compartilhados pela mídia e pelos políticos, o que leva os partidos de extrema direita a superarem seu peso eleitoral — analisa Mudde. O documento do Aliança traz uma enfática defesa de Deus, da religião, do armamentismo e do livre mercado. Assim como partidos da direita populista internacional, a sigla faz uma exaltação do povo contra o “sistema”, visto como corrompido, e contra uma elite cultural, intelectual e burocrática — chamada no programa de “burocratas não eleitos”.

Para David Magalhães, professor de Relações Internacionais da PUC-SP e fundador do Observatório da Extrema Direita, trata-se de uma crítica à democracia parlamentar, que seria uma espécie de obstáculo para uma representação mais direta entre o líder e a massa:

— A direita radical não rejeita completamente as regras da democracia, mas busca combater ou atacar as instituições liberais democráticas e os direitos fundamentais de minorias. Para Bragança, a inspiração do Aliança vem da direita conservadora americana, mas reconhece similaridades com o Vox. Ambos pregam a exaltação de símbolos e “heróis nacionais”, criticam a “politização” da Justiça, atacam bandeiras progressistas e apoiam a redução da participação da sociedade civil em conselhos estatais.

“A extrema direita é cada vez mais generalizada e normalizada, com partidos e políticos dessa linha no poder nos principais países ou considerados parceiros normais da coalizão em vários outros” — Cas Muddle, cientista político.

Deputado ‘príncipe’, assessor da Casa Civil e advogado fizeram estatuto

Após ter sido preterido como vice de Jair Bolsonaro na corrida pela Presidência da República, em 2018, o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança se manteve na tropa de choque do presidente. Além da proximidade com Eduardo Bolsonaro, o “filho 03”, coube ao “príncipe” a responsabilidade de contribuir com a idealização do Aliança pelo Brasil. Segundo Bragança, o estatuto, que está quase pronto, vai proibir alianças e filiados de partidos de esquerda “ligados ao Foro de São Paulo e à Internacional Socialista”.

As siglas a que ele se refere são “todos os partidos, do PDT para a esquerda”, o que inclui PT, PSOL e PCdoB, entre outros. Ele diz que quer evitar que políticos de esquerda tomem conta dos diretórios “como aconteceu com o PSL”.

— A priori, vai ter transparência total. Vamos defender valores que não existem ainda nos estatutos de vários partidos. É uma coisa inédita. A gente vai estar em linha com a família, com a soberania nacional, a questão dos valores morais. É um resgate de pilares fundamentais para a nossa civilização, para o Brasil — afirma.

Parte do estatuto do Aliança foi reciclado de uma proposta feita pelo próprio deputado ao presidente do PSL, Luciano Bivar, numa tentativa de reformar a legenda. O Aliança nasce principalmente por causa da disputa de poder entre a família Bolsonaro e parte da direção do PSL. Após uma discussão com Bivar no grupo de WhatsApp da bancada do PSL na Câmara, Bragança deixou o diretório estadual de São Paulo.

Luciano Bivar teria chamado de “idiota” e “estúpida” a tentativa do correligionário de arrecadar assinaturas dos colegas para pressionar por uma mudança no estatuto do partido. Rechaçadas pelo presidente do PSL, as ideias acabaram vingando no novo partido de Bolsonaro.

— O estatuto do Aliança reduz os valores e princípios em apenas um artigo que derivou do estatuto que eu havia proposto ao PSL no início do ano. Fora esse norte ideológico, minhas contribuições se resumem a critérios para filiados e diretórios que (vieram) da minha experiência no PSL estadual. O Admar Gonzaga, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fez o grosso do estatuto (regimento, assembleias, eleições, conselho de ética, compliance etc) — diz Bragança.

Segundo ele, que não participará da fase final de elaboração do partido, haverá ajustes até que o estatuto seja protocolado. Bragança afirma que os princípios e valores do novo partido deverão ser publicados num documento separado. Ele diz que o estatuto foi elaborado em grande parte por Felipe Petri, assessor especial da Casa Civil: — Fiquei muito satisfeito com o que ele (Petri) propôs, pois estava muito alinhado com a minha proposta inicial em praticamente tudo. Depois de testemunhar a aceitação desses conceitos na primeira assembleia do Aliança, percebi que não estou sozinho e que tudo que propusemos tem muita ressonância com a base eleitoral do presidente.

Programa do Aliança foi oferecido ao PSL, mas Bivar chamou ideia de “estúpida”.