O Globo, n. 31504, 08/11/2019. País, p. 8

Relatório traz novas denúncias de tortura em prisões do Pará
Vinicius Sassine


Um novo relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, aponta uma série de atos de tortura praticados em presídios do Pará sob responsabilidade da força-tarefa de intervenção penitenciária desde o fim de julho, com autorização do Ministério da Justiça. É o segundo documento oficial que registra violações contra presos no Pará por agentes federais. A primeira foi uma ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal (MPF). O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), vinculado ao Ministério da Justiça, negou as práticas.

O relatório, assinado por quatro peritos independentes que inspecionaram presídios do estado entre 17 e 20 de setembro, foi concluído nesta semana e remetido aos órgãos estaduais e federais.

Os técnicos apontam uma série de violações: castigos contra presos com transtornos mentais; agressões com cabos de vassoura nas costas, na cabeça e nos dedos de detentos, que ficam sem atendimento apesar de graves infecções; e a existência de um “calabouço de tortura”, onde estavam 20 presos em meio a esgoto. Em uma das celas, dez presos ficaram 17 dias bebendo água da bacia sanitária, conforme o relatório. Segundo os peritos, esta ala de castigo e isolamento foi omitida pela força-tarefa no momento da inspeção.

Nas unidades vistoriadas, a água é racionada e a comida é cortada como forma de castigo. O documento traz diversas fotos que denotam a suposta tortura, como dedos quebrados dos presos. Há registros também do “calabouço de tortura”, no Centro de Recuperação Prisional do Pará (CRPP III). Os integrantes do Mecanismo de Combate à Tortura pediram o imediato fechamento da ala e a transferência dos detentos.

Tanto em presídio para homens quanto na unidade para mulheres, o Centro de Reeducação Feminino (CRF), foi registrado o disparo de spray de pimenta nos presos após o almoço, o que os levava a vomitar uns sobre os outros, de acordo com o relatório. Detentos apontaram que um interno morreu asfixiado pelo spray. Jatos de água fria são disparados nos presos e alguns são acordados de madrugada dessa maneira. A força-tarefa chegou a deixar, segundo o relatório, detentos sem roupa durante dez dias. É comum o confisco de material de higiene pessoal, como barbeador, escova de dente e até sandálias.

Unhas devem ser cortadas no dente; presos ficam descalços e sem trocar o uniforme.

Isolamento de facções

Procurado para comentar o relatório, o Depen disse que não reconhece as “alegações de tortura” durante o emprego da força-tarefa no Pará.

“As forças de cooperação promovem a humanização da pena na medida em que retiram o domínio nefasto das organizações criminosas sobre os demais presos, representando os direitos humanos na prática e não apenas nos discursos. As estatísticas de atendimento aos presos demonstram comprovadamente o êxito das ações”, afirma o Depen.

Ainda segundo o departamento, foram feitos mais de 60 mil procedimentos de saúde e “o apoio de 18,5 mil atendimentos jurídicos”. O Ministério Público do Pará, ainda conforme o órgão do Ministério da Justiça, defendeu a presença dos agentes federais nos presídios, por terem permitido o restabelecimento do controle das unidades pelo Estado. Antes, esses presídios estavam sobre controle de facções criminosas, conforme o Depen. A separação e o isolamento de líderes de facções foram as primeiras ações da força-tarefa.

Os agentes separaram ainda presos provisórios de condenados. Juízes de execução penal não deram aval às acusações de maus-tratos e apontaram melhorias como garrafão de água dentro da cela e de colchões, segundo o órgão. “A Corregedoria-Geral do Depen possui servidores atuando no Pará, em atividades de investigação, supervisão e orientação da atuação da força de cooperação junto ao sistema prisional. A Ouvidoria do Depen está à disposição para escutar relatos e acompanhou parte das inspeções técnicas em que foram ouvidos presos que resultaram em exames periciais.” A Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará não retornou.