O Globo, n. 31485, 20/10/2019. País, p. 12

'Com trânsito em julgado. Ponto'

Entrevista: Gilson Dipp


O senhor é a favor da prisão de réus condenados por tribunal de segunda instância?

O que aconteceu em 2016 foi um tremendo erro, talvez involuntário, do Supremo de não explicitar de forma correta a sua posição. O ministro Teori (Zavascki, relator do processo na época) dizia: poderá a pena ser executada após condenação em segundo grau. Ora, esse “poderá” não quer dizer automaticamente. O réu sofrerá condenação com o trânsito em julgado. Não há como modificar as palavras claras da lei. Com o trânsito em julgado. Ponto.

“O Supremo é o grande responsável por toda essa celeuma, por não ser mais explícito, por não ser mais claro e educativo em decisões dessa magnitude”

A Constituição permite a interpretação de que, dependendo das condições, a prisão pode ser efetuada?

Exatamente. E, veja bem, você não pode comparar casos emblemáticos de demora na interposição de recursos, como o do jornalista Pimenta Neves e o do ex-senador Luiz Estevão. São casos excepcionais. No dia a dia não é o que acontece. Então eu acho que não há interpretação que afaste a expressão “trânsito em julgado”, como disse (o ministro do STF) Celso de Mello.

Uma possível solução que se cogitou, do ministro Toffoli (permitir a prisão após condenação no STJ)...

Inconstitucional. Não muda a situação porque fica pendente o STF ainda, ou seja, não ocorreu o trânsito em julgado. É um remendo mais inconstitucional. Não é digno de interpretação do STF dar uma interpretação intermediária. Ou há necessidade do trânsito em julgado ou não há. É uma solução engendrada para agradar gregos e troianos. Não agrada nem gregos nem troianos, e é uma afronta ao direito constitucional e ao bom senso, com todo o respeito que tenho pelo autor dessa ideia, talvez vinda das melhores intenções.

As prisões de condenados em segunda instância vão prejudicar mais os réus pobres, que têm poucos recursos para contratar bons advogados?

Acho que não muda absolutamente nada. O nosso sistema judiciário, criminal e principalmente prisional é disfuncional. Isso não vai nem prejudicar nem vai favorecer A, B ou C. Tudo isso é também propaganda enganosa. O dia em que o Supremo quiser pensar que o cidadão brasileiro tem o direito ou vai ser prejudicado por uma interpretação da Constituição porque ele é rico ou pobre, estará fazendo aí sim discriminação. E discriminação odiosa.

O julgamento seria para beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Não é para beneficiar ninguém! É para aplicar a pena. Eu duvido que o STF vá colocar uma decisão constitucional apenas em referência ao (ex-)presidente Lula, que já não tem mais a importância que tinha antes, pelo amor de Deus! Isso é lenda!

O Supremo já julgou várias vezes o tema. Essas mudanças constantes prejudicam a consolidação de uma jurisprudência?

Claro que sim! O Supremo é o grande responsável por toda essa celeuma, por não ser mais explícito, por não ser mais claro e educativo em decisões dessa magnitude. E começa a ter decisões contraditórias, sucessivas, com posições contraditórias entre os próprios integrantes. Isso é um desserviço ao sistema de Justiça do Brasil. E o grande responsável por isso é o Supremo Tribunal Federal. Não é Lula, não é Lava-Jato.

A solução para isso é ter esse julgamento agora?

Se o Supremo der uma decisão, seja qual for, bem fundamentada, bem explicitada, sem remendos de STJ, não sei o que mais, abordando todas essas questões, dizendo qual é a natureza da prisão de segundo grau, seja a tese vencedora ou não, isso já seria um grande serviço. Acho que é um grande momento para o Supremo restaurar a segurança jurídica.

Alguns ministros mudaram de posição. Gilmar Mendes, por exemplo, votou de uma forma em 2009. Em 2016, mudou. Como o senhor vê essas mudanças?

Mudar de posição por convencimento doutrinário, jurisprudencial não é nenhum desdouro. Pelo contrário. Mostra que não há nenhum dogmatismo. Nós temos que levar em conta a excepcionalidade daquele momento. Houve uma série de modificações dentro daquela estrutura de Direito Penal proporcionada não só pela, mas também pela Lava-Jato. O juiz não está fora do mundo.