O Globo, n.31.586, 29/01/2020. País. p.08

‘Moro não mordeu a isca’, diz Bolsonaro sobre ministério
Daniel Gullino 
Rayanderson Guerra 



O presidente Jair Bolsonaro voltou a afirmar ontem que não vai recriar o Ministério da Segurança Pública, a partir do desmembramento do Ministério da Justiça. De acordo com Bolsonaro, os pedidos de recriação de ministérios envolvem uma “luta pelo poder”, mas o ministro da Justiça, Sergio Moro, “não mordeu a isca” e continuará no cargo.

— O tempo todo, pessoal sempre quer uma maneira... Muitos querem dividir o MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional). É comum — disse Bolsonaro,

ao chegar no Palácio da Alvorada. —O pessoal quer a luta pelo poder, o tempo todo tem alguém beliscando ministério. Agora, pelo que eu vi, o Moro não mordeu a isca, nem eu. Continua ele com o ministério, sem problema nenhum. Talvez me encontre com ele amanhã.

Já o ministro da Justiça e Segurança Pública passou o dia de ontem no Rio de Janeiro. Ele se reuniu com o juiz Marcelo Bretas, na 7ª Vara Federal Criminal, na região portuária. Acompanhado do diretorgeral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, Moro passou cerca de duas horas com o juiz relator da operação Lava-Jato no

Rio, em uma visita institucional ao magistrado. O ministro não conversou com a imprensa, mas divulgou uma foto da visita em suas redes sociais.

VISITA APÓS ATRITOS

O encontro de Moro com Valeixo e Bretas ocorreu após mais um episódio de atrito do ministro com o presidente, que, na semana passada, em reunião com secretários estaduais de Segurança Pública, afirmou que iria estudar a recriação de um ministério para a área. Um dia depois após confirmar que estudava a ideia, Bolsonaro recuou e disse que a chance de recriar a pasta era “zero, no momento”. O recuo ocorreu após Moro sinalizar que deixaria o governo se houvesse um enfraquecimento de sua pasta.

Antes do encontro com Bretas, o ministro participou da abertura do seminário internacional do Grupo de Trabalho da América do Sul do Departamento

Antidrogas dos Estados Unidos, “Potencializando as alianças internacionais”, em um hotel em Copacabana, na Zona Sul da cidade. No evento, Moro falou sobre cooperação internacional para combater o crime organizado e a corrupção.

O evento reuniu, além de autoridades do Brasil e dos Estados Unidos, representantes de Equador, Peru, Colômbia, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Itália, Bélgica, Espanha, Holanda, Panamá, África do Sul, Suriname, Noruega e Dinamarca.


Presidente e ministro seguem o morde-e-assopra
Miguel Caballero


Os discursos começaram a semana afinados para diminuir a temperatura da crise, mas as atitudes mostram que os atritos, sutis ou explícitos, seguem dando o tom da relação entre Jair Bolsonaro e Sergio Moro. Primeiro foi o ministro, na segunda-feira, no humorístico “Pânico”, a declarar “encerrada” a possibilidade de ver amputada sua pasta da Justiça e Segurança Pública depois que Bolsonaro disse que a chance é zero, “no momento”, de separar as duas áreas. Ontem o próprio Bolsonaro fez sua parte no armistício diante dos microfones, avaliando que nem ele nem o auxiliar “morderam a isca” de alimentar uma mútua desconfiança.

Nem sempre as palavras correspondem aos atos. Horas antes da fala de Bolsonaro, a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu em três ações, no Supremo Tribunal Federal (STF), a lei que institui o juiz de garantias. Esta foi uma das recentes contendas entre Moro e Bolsonaro. Contrário à lei, o ministro da Justiça não teve voz para determinar a posição do governo, algo já exposto quando o presidente sancionou a legislação.

Se, na ocasião do juiz de garantias, Moro foi explícito ao manifestar contrariedade, ontem seu gesto foi levemente mais sutil. E veio através de seu perfil no Instagram, uma novidade que incomodou o entorno do presidente, pelo que foi considerado um excesso de exposição pública do ministro.

A foto de ontem registrava uma “visita institucional” à 7ª Vara Federal do Rio, onde o juiz Marcelo Bretas preside as investigações em primeira instância do braço fluminense da Lava-Jato. Moro se fez acompanhar do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, pivô de outro conflito entre presidente e ministro. Em agosto, Bolsonaro sugeriu que poderia trocar o diretor da PF sem consultar Moro, uma medida que ainda é popular entre alguns aliados.

Na simbologia política, a imagem valeu mais que as palavras apaziguadoras, e Moro deixou o recado de fortalecer Valeixo. Vinculá-lo à Lava-Jato encarece o custo político de uma eventual demissão pelo presidente.