O Globo, n. 31502, 06/11/2019. Opinião, p. 2

Uma rota para ajustar o peso do Estado brasileiro


O pacote de medidas econômicas apresentado ontem ao Senado contém a ambição de uma reforma da Federação. Sua crítica política será feita durante o processo legislativo que, pela abrangência e pelo impacto das alterações constitucionais, tende a se prolongar no calendário de 2020, ano marcado pelas eleições municipais.

É necessário, desde já, considerar a relevância e o caráter emergencial de algumas das propostas agrupadas nesse “pacto federativo”. Uma delas é o fim do reajuste automático, pela inflação, nos gastos estatais classificados como obrigatórios.

Trata-se de uma desindexação dos orçamentos, prescritível em circunstâncias de extremas dificuldades fiscais e financeiras da União, estados e municípios.

No Brasil de hoje seria aplicável de imediato a pelo menos 12 estados: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíba.

Eles estão financeiramente combalidos, fragilizados porque suas despesas com servidores já ultrapassaram 60% da receita corrente líquida (apurada depois de descontadas as transferências obrigatórias aos municípios). Há estados, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que já consomem cerca de 70% da receita líquida apenas com a folha (...)

Pelo projeto, quando a soma das despesas atingir 95% da receita corrente líquida de qualquer um dos entes federativos, o ajuste das contas públicas se torna obrigatório. O prazo para reequilíbrio estaria limitado aos 12 meses seguintes.

Os “gatilhos” seriam acionados automaticamente para estados e municípios e, no caso da União, com autorização do Congresso. Isso retira dos governantes a opção da omissão por razões políticas. Ou lidera o processo de reequilíbrio fiscal ou se submete aos “gatilhos”.

Enquanto houver desequilíbrio, ficariam proibidos: promoção de servidores; concessão de reajustes; criação de cargos; reestruturações de carreiras; novos concursos e aditivos na folha de pagamentos, como indenizações. Proíbe-se, também, a criação de outras despesas constitucionais e mais benefícios tributários.

Na emergência, os servidores poderiam ter a jornada reduzida em até 25%, com corte proporcional nas remunerações. No caso da União, além disso, ficariam suspensos os repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

É, em síntese, uma proposta para debate e decisão no Congresso que, certamente, vai adaptá-la à realidade política. Na essência tem o mérito de sinalizar a rota para ajustar o peso do Estado no bolso dos 209,3 milhões de brasileiros. Nos últimos três anos o setor público passou a consumir 49% do Produto Interno Bruto, quase metade de toda a riqueza produzida no país.