O Globo, n. 31502, 06/11/2019. País, p. 6

Em favor da 2ª instância
Amanda Almeida
Carolina Brígido
Francisco Leal


Às vésperas do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade da prisão após condenação em segunda instância, o cenário ainda é incerto e o jogo de pressões se intensifica. Uma carta assinada ontem por 42 dos 81 senadores foi entregue ao presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, pela manutenção da regra atual e contra a possibilidade de cumprimento de pena somente depois do trânsito em julgado, ou seja, quando não há mais possibilidade de recursos à defesa. Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) não assinou, mas se declarou a favor da prisão de condenados em segunda instância.

O documento tem apoio de parlamentares de 14 partidos. PT e PDT foram as únicas bancadas sem nenhuma assinatura. Na Câmara, deputados organizam um documento nos mesmos moldes para ser entregue hoje. O julgamento sobre o tema será retomado amanhã no Supremo, tendo como um dos beneficiados em potencial o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele está preso, mas ainda tem recursos pendentes na Justiça.

O entendimento atual, adotado desde 2016 pelo Supremo, é que a pena pode começar a ser cumprida após a sentença em segunda instância, mas ações na Corte questionam essa interpretação. Quatro ministros já votaram por essa jurisprudência, enquanto outros três foram a favor de que é necessário aguardar o trânsito em julgado dos recursos. Ainda faltam os votos de Gilmar Mendes e Celso de Mello, que devem figurar no segundo grupo; de Cármen Lúcia, que deve aderir à tese da segunda instância, e o de Toffoli, que pode desempatar.

O presidente do STF já aventou uma proposta intermediária, de estabelecer que a prisão ocorra depois da confirmação o Superior Tribunal de Justiça (STJ) — tese que também encontra oposição.

Voto médio sob risco

Os senadores defenderam, na carta, que “exigir trânsito em julgado após terceiro ou quarto graus de jurisdição contraria a Constituição e coloca em descrédito a Justiça brasileira perante a população e instituições nacionais e estrangeiras”. E completam: “A lei deve valer para todos e, após a segunda instância, não mais se discute a materialidade do fato, nem existe mais produção de provas”.

— A população está assustada e apreensiva com as oscilações do Supremo que criam insegurança jurídica e podem libertar até 5 mil corruptos e delinquentes — diz o senador Lasier Martins (Podemos-RS), em referência a dados do Conselho Nacional de Justiça que apontam a quantidade de presos que estão na cadeia devido a condenação por tribunais de segunda instância.

Ate sedo voto médio de Toffoli não encontra eco nem no próprio STJ, que passaria a ser a instância paras e aplicara prisão, e vem perdendo força no Supremo, segundo ministros das duas Cortes ouvidos pelo GLOBO. Integrantes do STJ dizem que, se a regra for vencedora, o tribunal vai precisar ser e organizar para acomodar a nova realidade, com a adoção de uma estratégia para julgar com mais celeridade os recursos, dando prioridade para réus presos.

— Cada gabinete vai ter que organizar isso, porque aumenta a responsabilidade na hora do julgamento — disse um ministro do STJ.

Para esse ministro, Toffoli vai desistir da tese. Outro integrante do STJ pondera que o STF é o foro indica dopara julgar várias autoridades. Portanto, não faria sentido dar ao STJ posição mais privilegiada no sistema jurídico. Um terceiro ministro do STJ diverge, dizendo que não vê problema na ideia de Toffoli.

Em outra frente, o ministro da Justiça, Sergio Moro, defensor da manutenção da prisão em segunda instância, manifestou dúvidas sobre a proposta de Toffoli, entregue ao Congresso na semana passada, de que seja suspenso o prazo de prescrição de crimes enquanto houver recursos em Cortes superiores. Moro lembrou que eventual mudança não valerá para casos já correntes, como condenações da Lava-Jato. Um projeto com esse teor que estava parado no Senado, de autoria do senador Alvaro Dias (PodePR), foi pautado no plenário e pode ser votado hoje.

— Acho que é positiva (a proposta de Toffoli). Agora, não resolve totalmente o problema. Pegue o exemplo do ex-prefeito Paulo Maluf, tardou tanto que quando a punição chegou a idade já gerava questionamentos em relação à aplicação da sanção —disse Moro, em jantar do portal “Poder 360”, na segunda.

Supremo pode incluir votação sobre tribunal do júri

Para tentar amenizar uma possível decisão que derrube as prisões de condenados em segunda instância, o Supremo Tribunal Federal (STF) cogita aproveitar o julgamento a ser retomando amanhã para declarar que as prisões são imediatas pra réus do tribunal do júri —que pune crimes dolosos contra a vida, como homicídios e latrocínios (roubo seguido de morte). Ao menos três ministros da Corte querem inserir o debate no julgamento da segunda instância, embora a situação específica do júri não esteja prevista formalmente na pauta do plenário.

A tendência é ficarem cinco ministros em defesa da possibilidade de prender réus condenados em segunda instância e outros cinco, pelo trânsito em julgado — ou seja, depois de analisados todos os recursos à disposição da defesa. O presidente do STF, Dias Toffoli, deverá desempatar. O mais provável é que vote contra a tese da segunda instância. Caso o tema do júri seja mesmo debatido em plenário, o ministro deverá desempatar a favor das prisões antecipadas apenas para esses casos específicos.

Toffoli já defendeu publicamente a prisão imediata de condenados por crimes dolosos contra a vida. O tribunal do júri está inserido na primeira instância do Judiciário. Em tese, o réu ainda tem direito a apelar ao Tribunal de Justiça, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF.

— No meu voto no julgamento da segunda instância, falei que o tribunal de júri, tendo condenando alguém, já tem que ir preso. É um crime contra vida. A Constituição diz que o júri é soberano para julgar sobre o mérito — disse Toffoli em setembro do ano passado, quando assumiu a presidência do STF, rememorando o voto proferido no julgamento sobre segunda instância ocorrido em 2016.

O STF ainda não fixou uma regra para o início do cumprimento da pena para esses réus. Há um recurso aguardando julgamento em plenário para definir essa regra, com repercussão geral — portanto, o entendimento será replicado para juízes de todo o país. Mas esse processo ainda não está agendado.

Mesmo que haja ministros interessados em antecipar essa discussão, outros insistem que não haverá tempo para isso. Um integrante da equipe de Toffoli acredita que a decisão sobre o tribunal do júri será tomada “futuramente”, e não nesta semana.

O STF tem duas turmas, cada uma formada por cinco ministros. Quando esses colegiados discutem processos sobre prisões de réus condenados pelo júri, normalmente quem defende a segunda instância vota pela prisão imediata do criminoso. Por outro lado, os adeptos do trânsito em julgado usam essa tese para garantir ao réu que recorra em liberdade até a análise do último recurso. Novamente, se o assunto for mesmo debatido amanhã, Toffoli pode dar o voto que decidiria o impasse (C. B.).