O Globo, n. 31502, 06/11/2019. Economia, p. 19

Pacote vai distribuir R$ 400 bi entre estados e municípios
Marcello Corrêa
Manoel Ventura
Renata Vieira
Geralda Doca


O pacote apresentado ontem pelo governo prevê a distribuição de cerca de R$ 400 bilhões entre estados e municípios ao longo de 15 anos. A maior parte desses recursos virá de uma mudança nas regras de acesso a royalties e participações especiais de petróleo. O plano é reduzir a parcela desses recursos que hoje ficam com a União.

A descentralização faz parte da proposta de emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo, um dos três projetos apresentados ontem ao Congresso, pessoalmente, pelo presidente Jair Bolsonaro. Dividir mais dinheiro com governos regionais era uma das promessas de campanha de Bolsonaro, sob o slogan “mais Brasil, menos Brasília”.

Hoje, do total arrecadado com royalties, a União fica com 70%, enquanto estados e municípios recebem 30%. A ideia é inverter as proporções ao longo de oito anos. Os percentuais não estão fixados na PEC porque serão regulados por lei complementar, mas foram adiantados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em coletiva de imprensa.

A redistribuição de recursos do petróleo seria feita por meio do Fundo Social, que hoje recebe recursos de royalties e participações especiais pela exploração de óleo e gás. A proposta acaba com o Fundo, e os recursos passariam a ser distribuídos diretamente para União, estados e municípios. A medida não afeta estados produtores, como o Rio, porque só redistribui a parcela do bolo que cabe ao governo federal.

A PEC também prevê a destinação de R$ 9,8 bilhões da arrecadação do salário-educação, que hoje ficam com a União e passariam a ser geridos diretamente por estados e municípios.

Para receber os recursos, os estados terão que abrir mão dos questionamentos na Justiça por repasses da Lei Kandir, que garante isenção de ICMS às exportações, com impacto sobre as contas regionais. Os entes cobram da União compensações por essa perda de receita, mas o governo entende que a redistribuição de recursos extinguiria o impasse.

A PEC também cria o Conselho Fiscal da República, cuja missão será avaliar a situação financeira da Federação. O conselho será composto pelos presidentes da República, da Câmara, do Senado, do STF e do TCU, além de governadores e prefeitos.

A expectativa do governo é que a proposta seja aprovada até abril. A medida, no entanto, não será a prioridade. Dos três textos entregues ontem, a chamada PEC emergencial terá a tramitação mais urgente. Esse projeto prevê o acionamento de medidas extraordinárias para ajustar as contas públicas, como cortes temporários de salários e jornadas de servidores. O governo quer acioná-las ainda em 2020.

Calendário eleitoral

Hoje, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, se reunirá com líderes dos partidos no Senado para definir o calendário de tramitação e a relatoria das três PECs. A expectativa é que a relatoria fique com representantes das três maiores bancadas do Senado, MDB, PSD e Podemos. Por ora, a preocupação paira sobre o calendário eleitoral: em meados de abril, termina o prazo de filiação partidária, e a largada para a corrida das eleições municipais toma as atenções dos parlamentares.

Ontem, Bolsonaro disse que espera que o Legislativo “aperfeiçoe” a proposta.

— Quero dizer do orgulho de estar aqui entre amigos. Dizer que essa proposta vai ser trabalhada pelos senhores, vai ser aperfeiçoada — disse.

A equipe econômica não detalhou quanto será o repasse de cada medida prevista na PEC do pacto federativo. O secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, disse que a estimativa de R$ 400 bilhões é “conservadora”. Em agosto, o Ministério da Economia chegou a estimar os repasses em R$ 500 bilhões, mas o valor foi reduzido com a retirada da ampliação do Fundeb. O governo também optou por retirar parte dos repasses como contrapartida à desidratação de R$ 100 bilhões da reforma da Previdência.

Valor pode ser maior

Guedes, no entanto, disse que esse número poderia subir, principalmente se for aprovada a PEC paralela — que tenta incluir estados e municípios nas novas regras da aposentadoria.

— Eu nem me incomodo com essa desidratação de R$ 100 bilhões que aconteceu, se trouxermos estados e municípios para dentro (das novas regras da aposentadoria) — disse o ministro.

Algumas medidas previstas no Pacto Federativo

> Cria o Conselho Fiscal da República. Presidentes da República, da Câmara, do Senado e do STF , além de governadores, prefeitos e representante do TCU, vão avaliar a situação financeira da Federação.

> Os valores obrigatórios para saúde e educação passam a ser unificados. Estados e municípios decidirão quanto vai para cada área.

> Benefícios tributários serão reavaliados a cada quatro anos. A partir de 2026, não poderão ficar acima de 2% do PIB.

> Municípios com menos de cinco mil habitantes e arrecadação própria menor que 10% da receita total serão extintos e incorporados aos vizinhos.