O Globo, n. 31502, 06/11/2019. Economia, p. 20

Até 1.254 cidades podem ser extintas
Marcello Corrêa
Manoel Ventura
João Paulo Saconi
João Sorima Neto
Leo Branco


A proposta de emenda constitucional (PEC) do Pacto Federativo pode resultar na extinção de até 1.254 pequenos municípios a partir de 2025. De acordo como texto, as prefeituras terão até 30 de junho de 2023 par aprovar que arrecadam, em impostos, ao menos 10% de suas receitas totais, ou seja, que não dependem quase integralmente de repasses da União. Caso o limite não seja alcançado, serão incorporadas por cidades maiores.

O país tem hoje 5.570 cidades.As 1.254 prefeituras possivelmente impactadas representariam 22% do total. A regra prevê que cada município poderá incorporar até três cidades vizinhas nesse processo. O número de habitantes será medido pelo Censo 2020.

Para o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), a PEC representará a refundação dos municípios:

— Durante muitos anos no Brasil houve critérios muito frouxos para a criação de municípios. Temos mais de mil municípios com menos de 5 mil pessoas, e esses municípios não arrecadam sequer 10% de sua receita própria, não cobrem 10% de suas despesas. Isso significa prefeito, viceprefeito, Câmara dos Vereadores, toda uma estrutura que pesa no Estado brasileiro.

Menos vagas de vereador

Para Alessandra Ribeiro, diretora da consultoria Tendências, do ponto de vista econômico, a extinção das prefeituras e Câmaras dos Vereadores faz sentido para uma gestão mais eficiente dos recursos, mas representará um desafio no Congresso do ponto de vista político. Ela lembra que 2020 é ano de eleições municipais.

Na avaliação de Claudio Timm, especialista em relações governamentais, e sócio do Tozzini Freire Advogados, o cenário político do próximo ano coloca em risco a medida:

— É uma proposta que tem impacto fiscal significativo, mas vai provocara extinção de muitos cargos públicos.

Para o economista-chefe da consultoria RC Consultores, Marcel Caparoz, o ambiente no Congresso está mais amigável a reformas, ma sé preciso lembrar que 2020 será um ano “mais curto” na casa, por causa das eleições municipais.

— Aglutinar municípios pequenos será um problema em um ano em que vão ser eleitos novos prefeitos. Houve um crescimento grande de novas cidades nos últimos 15 anos, trazendo desequilíbrio fiscal. Mas não acho que seja o ponto principal, embora o tema seja delicado — diz Caparoz.

No Sudeste, há 375 municípios com menos de cinco mil habitantes, de acordo coma projeção populacional do IBGE para julho deste ano: 231deles estão em Minas Gerais, 143 em São Paulo e um no Espírito Santo. No Rio, não há municípios deste porte.

O número de vereadores em cada município é definido pela Lei Orgânica dos Municípios eé proporcional ao tamanho da população. No entanto, a Constituição Federal prevê limitações para o total de vagas. Uma Emenda Constitucional (EC) aprovada pelo Congresso em 2009 estabeleceu que os municípios de até 15 mil habitantes têm limite máximo de nove vereadores — não há, portanto, um número mínimo. Porém, os três menores municípios do país — Serra da Saudade (MG), Borá (SP) e Araguainha (MT) — contam com nove cadeiras em suas Câmaras de Vereadores. Logo, uma projeção mais conservadora indica que, se todos os 1.254 municípios fossem extintos,ao menos 11.286 cargos de representantes legislativos municipais poderiam ser extintos, sem contar as 1.254 vagas de prefeitos e outras 1.254 de vice-prefeitos.

Volta aos grandes centros

Para Glademir Aroldi, da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a proposta deveria considerar montantes recolhidos pela União e repassados aos municípios ao calcular as receitas próprias das administrações locais. Para Aroldi, tributos como Imposto de Renda, Imposto sobre Produtos Industrializado (IPI) — recolhidos pela União — e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) — recolhido pelos estados — deveriam ser considerados como receitas geradas em âmbito municipal.

— Acredito que boa parte desses municípios pode vir a ser extinta. A Constituição determina o recolhimento de valores que o governo federal tema responsabilidade de arrecadar e repassar às prefeituras. A União não faz nenhum favor ao realizar os repasses, é obrigação dela — afirma Aroldi.

O gestor do Observatório de Informações Municipais, François Bremaeker, avalia que faltou diálogo, pois há argumentos em prol da manutenção destas estruturas, especialmente nos casos de populações isoladas:

— O que motivou a criação de municípios foi o fato de que populações se sentem alijadas pelo município-mãe. Há grandes centros urbanos em que distritos ficam espalhados, com populações que acabam abandonadas e optam pela emancipação. Com o fim dessas cidades, as populações podem voltar ao sentimento de abandono e escolher voltar aos grandes centros.