O Globo, n. 31485, 20/10/2019. Mundo, p. 41

Protestos levam Chile a estado de emergência



Depois de uma das mais violentas noites de protestos nas últimas décadas no Chile, que levou a uma igualmente excepcional decretação de estado de emergência na madrugada de ontem pelo presidente Sebastián Piñera, o governo anunciou a suspensão do aumento das tarifas do metrô de Santiago, estopim das manifestações. Após reunião com ministros e prefeitos, Piñera disse ter escutado “a voz dos patriotas”, e que irá apresentar um projeto de lei para garantir a redução dos valores. Ele ainda afirmou que“não vai tolerar atos de violência”, como os vistos nas últimas horas e que levaram à decretação de estado de emergência e a toque de recolher na capital entre 22h de ontem e 7h de hoje.

Com a medida, militares foram para as ruas da capital, Santiago, pela primeira vez desde o fim da ditadura em 1990. Segundo o general responsável pela operação, as tropas vão focar nas áreas mais afetadas pelos confrontos.

— A recomendação para as pessoas é para que possam ir para casa com suas famílias e mantenham a calma — afirmou o general Javier Iturriaga.

Apesar da mudança no esquema de segurança, houve confronto em áreas como a Praça Itália, na região central, onde um grupo de manifestantes enfrentou os militares com pedras e queimaram ônibus. Quatro estações de metrô foram incendiadas.

Na noite anterior, um ato contra o aumento nas tarifas dos transportes públicos levou a uma onda de confrontos que deixou 41 estações de metrô destruídas e mais de 500 pessoas detidas. Cerca de 11 civis e 150 policiais ficaram feridos, cinco deles com gravidade. Em resposta, Piñera decretou estado de emergência em algumas regiões, incluindo Santiago, medida que jamais foi adotada para lidar com distúrbios sociais em tempos de democracia.

— Uma coisa é se manifestar, e outra é cometer o vandalismo que estamos observando — afirmou Piñera em pronunciamento na TV na noite de sexta. — Isto não é protesto, isto é crime.

Para o analista político Guillermo Holzmann, a decisão foi uma derrota política para o presidente chileno.

— Isso implica que o governo não previu e tampouco conseguiu agir diante de protestos e atos que já estavam previstos e acabaram em ampla desordem pública, que a polícia não conseguiu conter e agora vai se estender a várias regiões — disse ao GLOBO.

A medida permite restringir liberdades de movimento e reunião, além de ceder o controle da segurança às forças militares, uma medida duramente atacada pela oposição. Muitos ressaltam o simbolismo de ver o Exército nas ruas de um país que viveu uma sangrenta ditadura militar, comandada por Augusto Pinochet (1973-1990), que matou 2.298 pessoas, prendeu e torturou 28 mil e deixou 1.200 desaparecidos, segundo dados das organizações de direitos humanos.

Após a violência de sextafeira, as 135 estações de metrô da capital chilena permaneceram fechadas, e o presidente do órgão estimou os prejuízos em “milhões de dólares”. O sistema de ônibus também foi suspenso, assim como todos os eventos culturais e esportivos na capital.

A oposição recusou convite de Piñera para discutir a crise enquanto durar o estado de emergência, e parlamentares acusaram o presidente de ser o responsável pela situação.

— Se não tem capacidade de governar, melhor seria que renunciasse e convocasse novas eleições —disse o deputado Guillermo Teillier, presidente do Partido Comunista Chileno.

Um fracasso em lidar com os protestos pode trazer efeitos irreparáveis para um governo que vem se destacando na América Latina, mas com muitas questões internas a serem resolvidas.

Custo de vida alto

Apesar de ter uma das maiores rendas da América Latina, a população chilena reclama dos altos custos de vida. O valor das propriedades, por exemplo, teve alta de 150% na última década, enquanto os salários subiram apenas 25%. No caso específico da tarifa do metrô, houve 20 reajustes nos últimos 12 anos. Isso em um país com problemas sensíveis na saúde pública, educação e previdência. Com novos atos programados para hoje, o cientista político Guillermo Holzmann considera que Piñera tem, nesse fim de semana, seu prazo decisivo.

— Piñera começou a pagar um alto custo, uma vez que não se vê solução simples. Não é só reduzir as tarifas, existem as tensões, a educação, saúde, impostos, custos, é um impacto claramente negativo.