O Globo, n. 31617, 29/02/2020. País, p. 14

O amigo antigo que diz ter enviado o vídeo a Bolsonaro



Amigo de Jair Bolsonaro, o ex-assessor Waldir Ferraz afirmou ao colunista Guilheme Amado, da revista Época, que repassou ao presidente o vídeo com a convocação para atos contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), previstos para o dia 15 de março. O material foi compartilhado por Bolsonaro por meio de seu WhatsApp durante o carnaval e provocou reações de parlamentares, líderes de diversos partidos e representantes do Judiciário.

— Quer saber quem passou esse vídeo para ele (Bolsonaro)? Fui eu — afirmou Ferraz. Ele contou ainda que compartilhou o vídeo com outras pessoas, e que o repasse de mensagens é uma prática sua, muitas vezes sem verificação do conteúdo:

— Mas aquilo ali, olha só... O que que acontece? Tudo que nego me passa, eu passo para a frente. Às vezes nem olho o que é. Não tem razão de impulsionar nada. Hoje já recebi três vídeos diferentes, não sei de quem.

Amigo fiel de Bolsonaro, Waldir diz não acreditar que o presidente esteja convocando para os atos contra o Congresso e o STF.

— Ele não passou nada para ninguém, isso eu tenho certeza. Ele (Bolsonaro) fala (que convocou ao repassar o vídeo) para parar a indagação — disse.

A mobilização para o ato de 15 de março ganhou força na semana passada, após o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, ter atacado parlamentares, acusando-os de fazer "chantagem", e desencadeando uma crise entre Poderes.

Amizade ignorada

Apesar de ser amigo do presidente há 30 anos, Bolsonaro minimizou recentemente sua relação com Ferraz numa transmissão em vídeo para seu Facebook, dando a entender que ele não é uma pessoa próxima. Segundo Ferraz — antigo companheiro de Exército e ex-assessor que frequentava a casa do presidente na Barra e o Palácio da Alvorada —, a amizade dos dois já dura 30 anos. Em sua transmissão na internet, Bolsonaro não explicou por que condecorou no ano passado Ferraz com uma das mais altas honrarias do governo brasileiro, a Ordem do Rio Branco, se a relação dois dois seria distante.

— Eu conheço o cidadão, não vou dizer que não conheço ele. Conheço há uns 30 anos mais ou menos. Agora, como ele tem uma página no Facebook, ele é livre para fazer o que bem entender. Não me interessa o que está na página do Facebook dele. (...) Fazendo uma campanha para o dia 15, me associa a ele. Conselheiro de Bolsonaro", disse o presidente, que completou: "Ele diz que trabalhou comigo quando eu era vereador. Eu não sei, não lembro se trabalhou comigo. Eu já conhecia ele nessa época. Se ele trabalhou no gabinete, não tenho certeza mais. Tem 30 anos que eu fui vereador, entre 89 e 90.

Ao saber do conteúdo da live de Bolsonaro, Ferraz disse à coluna de Guilherme Amado que não estava "chateado com o presidente":

— Ele fala isso para as pessoas pararem de encher o saco. Canso de fazer isso. (...) Vou ficar chateado com o cara (Bolsonaro)? Não, ele é meu amigo. Passamos maus pedaços no passado. Hoje ele está cheio de amigo. Mas ninguém passou o que nós passamos. Sempre fomos amigos. Não tenho vínculo empregatício, mas passo todos os dias para a imprensa a agenda dele.

No vídeo de um minuto e meio compartilhado pelo presidente não há menção direta ao Congresso Nacional ou ao Supremo Tribunal Federal (STF). São exibidas imagens de protestos em Brasília na época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Com o Hino Nacional ao fundo, um narrador pergunta logo no início: "Por que esperar pelo futuro se não tomarmos de volta o nosso Brasil?".

A narração segue com imagens da posse de Bolsonaro, do momento do atentado à faca que o presidente foi alvo durante a campanha eleitoral, em Juiz de Fora (MG), e de suas passagens pelo hospital. "Basta", diz o narrador em outro trecho. "O Brasil só pode contar com você. O que você pode fazer pelo Brasil? O poder emana do povo. Vamos resgatar o nosso poder. Vamos resgatar o Brasil."

Embora não haja referência direta ao Congresso ou ao STF no vídeo, a peça deixa explícita a chamada para os atos que têm sido convocados também como protesto contra as duas instituições.

Bolsonaro chegou a usar as redes sociais para se defender do ocorrido, alegando que o compartilhamento foi "de forma reservada" com "poucas dezenas de amigos" por meio do aplicativo de mensagens, sem o objetivo de uma convocação.