O Globo, n. 31616, 28/02/2020. País, p. 6

Bachelet inclui Brasil entre países com alerta para direitos humanos

Ana Rosa Alves
Dimitrius Dantas


A alta comissária das Nações Unidos para Direitos Humanos, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, listou ontem o Brasil entre os aproximadamente 30 países em que a situação dos direitos humanos levanta preocupações mais urgentes. Em seu discurso, Bachelet afirmou que ataques contra defensores dos direitos humanos no país indicam retrocessos “significativos” em políticas públicas de proteção do meio ambiente e dos indígenas e esforços para deslegitimar o trabalho da sociedade civil e de movimentos sociais. O desempenho do Brasil na área também foi alvo ontem de críticas da Anistia Internacional.

— No Brasil, ataques contra defensores dos direitos humanos, incluindo assassinatos, muitos dos quais de líderes indígenas, estão ocorrendo em um contexto de retrocessos significativos em políticas de proteção do meio ambiente e dos direitos de pessoas indígenas. Há ainda um aumento da tomada de terras de afrodescendentes e indígenas, além de esforços para deslegitimar o trabalho da sociedade civil e de movimentos sociais — disse Bachelet.

Consultado sobre o teor do discurso, o Itamaraty enviou a resposta lida pela delegação brasileira no plenário do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra. No texto, o Itamaraty “lamenta” que a alta comissária tenha sido “tão mal assessorada” e que tenha se guiado por “narrativas politicamente dirigidas”. Afirma ainda que não houve recuo na política ambiental nem na indígena, e cita a criação do Conselho da Amazônia. De acordo com a pasta, todos os atos de violência contra lideranças indígenas estão sendo investigados. Sobre a deslegitimação da sociedade civil, a delegação brasileira disse que “divergências legítimas” não podem ser vistas como deslegitimação em uma sociedade civil “plural e independente”.

Segundo Camila Asano, coordenadora de programas da ONG Conectas Diretos Humanos, a inclusão do Brasil na lista de preocupações prioritárias da ONU “só deteriora” a imagem do país:

— O governo brasileiro, desde o ano passado, vem se alinhando a países que usam seu assento na ONU para minar resoluções do Conselho de Direitos Humanos que visavam a proteção de minorias.

Em setembro, Bachelet já havia comentando a situação dos direitos humanos no Brasil. Na ocasião, disse que havia “encolhimento do espaço cívico e democrático”, ao criticar a atitude do governo Bolsonaro de celebrar o golpe militar de 1964. Em resposta, Bolsonaro atacou Bachelet, afirmando que ela estava se “intrometendo nos assuntos internos e na soberania brasileira”, e insultou o pai da alta comissária, o general de brigada da Força Aérea chilena Alberto Bachelet Martínez, que se opôs ao golpe chileno de 1973. Alberto Bachelet foi preso, torturado e morreu na prisão.

Violações

A crítica de Bachelet ocorreu no mesmo dia em que a Anistia Internacional divulgou um relatório em que aponta falhas do governo Bolsonaro em apresentar respostas adequadas para diversas violações de direitos humanos. O documento faz uma análise do cenário na América.

“A retórica abertamente antidireitos humanos do presidente Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018 foi colocada em prática por meio de medidas legislativas e administrativas dos governos federal e estadual”, criticou a entidade.

No Brasil, a Anistia destacou o aumento na letalidade policial, a crise na Amazônia, as tentativas de restringir a atuação de organizações da sociedade civil e, por fim, as ameaças e mortes de defensores de direitos humanos. Entre os exemplos de falhas do governo, citou a tentativa de aprovação do excludente de ilicitude, que evitaria que policiais fossem processados por mortes no exercício da função, além da ampliação do acesso a armas de fogo.

As queimadas na Amazônia e os ataques aos direitos de indígenas e quilombolas também foram lembrados como fracassos da atual gestão. Segundo a entidade, até o fim do ano não havia política pública consistente para a prevenção do desmatamento e das queimadas, tampouco para a proteção das populações afetadas, sobretudo indígenas e quilombolas.

“Há evidências de que as queimadas estavam associadas aos interesses do agronegócio, especialmente para a liberação da floresta para a pecuária e em alguns casos por meio do conluio com as autoridades”, diz o relatório.

A entidade criticou ainda a política de segurança do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), com “intervenções policiais militarizadas caracterizadas por altos níveis de violência policial”. O relatório cita que, segundo dados oficiais, a polícia matou 16% mais no primeiro semestre de 2019 em relação ao ano anterior.

Em nota ao G1, Witzel afirmou que há no Rio “décadas de descaso com a segurança pública” e que é preciso levar o Estado às comunidades dominadas por milícias e quadrilhas de narcotraficantes. O governador citou ainda que na sua gestão “o número de vítimas fatais da violência caiu em quase mil pessoas”.