Correio Braziliense, n. 21397, 16/10/2021. Economia, p. 7

Bolsonaro diz que vai baixar conta de luz

Ingrid Soares


O presidente Jair Bolsonaro afirmou que determinará ao ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, que a bandeira tarifária da conta de luz volte ao patamar "normal", a partir de novembro. A declaração ocorreu durante a Conferência Global 2021 Millenium, realizada pela Igreja Comunidade das Nações, no último dia 14. Porém, a prerrogativa de mudança das tarifas é da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e, segundo especialistas, uma eventual intervenção do presidente poderia prejudicar o abastecimento de água e eletricidade da população nos próximos anos.

Bolsonaro relatou que o país esteve "na iminência de um colapso" com a crise hídrica, mas disse que, com as chuvas dos últimos dias, poderia ser possível a retirada da chamada bandeira da escassez hídrica, que possui custo superior à vermelha e foi criada em agosto para cobrir os altos custos das usinas termelétricas, que tiveram o uso triplicado. A nova bandeira acrescenta à conta de luz R$ 14,20 a cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumidos. A previsão é de que ela continue até abril de 2022.

A bandeira vermelha patamar 2 aumenta a conta de luz em R$ 9,49 para cada 100 kWh de consumo. No entanto, esse valor não vinha conseguindo cobrir os custos do sistema. "A arrecadação já realizada via bandeiras tarifárias, no atual patamar vermelho 2, é insuficiente para fazer frente aos custos reais observados e previstos, considerando a garantia do suprimento eletroenergético", afirmou o Ministério de Minas e Energia, ao criar a bandeira de escassez hídrica.

"Meu bom Deus nos ajudou agora com chuva. Estávamos na iminência de um colapso. Não podíamos transmitir pânico para a sociedade. Dói a gente autorizar o ministro Bento, das Minas e Energia: 'decreta bandeira vermelha'. Dói no coração, sabemos da dificuldade da energia elétrica. Vou pedir para ele, pedir não, determinar que ele volte à bandeira normal a partir do mês que vem", afirmou o presidente.

A fala do presidente foi criticada por especialistas. David Zylbersztajn, especialista na área de energia, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), avalia que "uma coisa é o discurso" e outra, é a "prática".

"Bolsonaro fala muita coisa que não acontece. É uma questão técnica. Ele não pode interferir na Aneel, ela é autônoma, e não do governo. Além disso, se tirar a bandeira em meio à escassez hídrica, aumentará o consumo, e, daqui a pouco, não vai ter energia. Essa declaração não faz o menor sentido", disse.

Henrique Costa, CEO da Accell Solutions, empresa de distribuição de medidores de água, energia e gás, destacou que o aumento de chuvas não significa o fim da crise hídrica. "Apesar da melhora nos níveis de abastecimento em grande parte da Região Sul, o cenário ainda é incerto, pois o período de chuvas está no começo e não temos como determinar se as precipitações serão constantes", observou. Procurados, tanto o MME quanto a Aneel afirmaram que não comentariam a fala do presidente.

Frase

"Dói a gente autorizar o ministro Bento, das Minas e Energia: 'decreta bandeira vermelha'. Sabemos da dificuldade da energia elétrica. Vou determinar que ele volte à bandeira normal a partir do mês que vem"

Jair Bolsonaro, presidente da República