O Globo, n.31.585, 28/01/2020. Sociedade. p.21

OMS aumenta alerta contra epidemia 

 

Mais de quatro mil casos, distribuídos por 15 países, 106 mortos e pelos menos 50 milhões de pessoas isoladas na China. O alastramento do coronavírus fez a Organização Mundial de Saúde (OMS) elevar ontem a avaliação de risco internacional da epidemia, passando de “moderado” para “alto”. Esta categoria indica que o patógeno deve ser encarado com “alta gerência”, que vai impor medidas adicionais de comando e controle, podendo provocar “consequências significativas”.

A OMS considerou a mudança necessária após seus peritos avaliarem que houve “erro de formulação” em relatórios anteriores. Desta vez, consideram que o risco é “muito alto na China, alto no nível regional e em todo o mundo”. Nos últimos anos, a organização foi acusada de alarmismo ao abordar a epidemia do vírus H1N1, em 2009, e por demorar a declarar a epidemia do ebola como um estado de emergência internacional de saúde pública, em 2014.

O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, que viajou ontem para o país asiático, alertou que o coronavírus “ainda não é uma emergência global, mas pode vir a ser”.

Diversos países planejam usar aviões fretados para retirar funcionários diplomáticos e cidadãos da província de Hubei, cuja capital, Wuhan, é o epicentro do surto. O governo americano, por exemplo, evacuará funcionários da sua chancelaria na cidade e pediu para que seus cidadãos reconsiderem viagens à China. A França espera repatriar até 800 cidadãos da zona em que a epidemia está conflagrada.

Medidas semelhantes são estudadas pelos governos da Alemanha —que, ontem, registrou seu primeiro caso de coronavírus —, Espanha, Japão e Reino Unido, entre outros. Além disso, a Mongólia fechou as estradas que ligam à China.

Apesar da tensão comercial entre os dois países, o presidente Donald Trump afirmou pelo Twitter que ofereceu à China “qualquer ajuda que seja necessária” para conter a epidemia. Os EUA têm 110 casos suspeitos em 26 estados.

SEM REGISTROS NO BRASIL

Até agora, o Brasil não registrou episódios do coronavírus. Ontem, o Ministério da Saúde descartou uma suspeita de contaminação de um paciente internado em Niterói. O homem havia chegado recentemente de uma viagem à China.

Também ontem, Antônio Barra Torres, diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), anunciou a criação de um grupo de trabalho para acompanhar questões relacionadas ao coronavírus. O principal objetivo é reforçar medidas preventivas e de monitoramento do patógeno. Torres acrescentou que, “no momento”, não é necessário estabelecer triagens obrigatórias em portos e aeroportos. Já o presidente Jair Bolsonaro disse que “obviamente” o governo está preocupado:

—Estamos nos preparando para que, se tivermos um problema, que ele seja atenuado.

Nas mídias sociais fortemente censuradas da China, as autoridades enfrentam uma ira crescente da população por causa do vírus. Alguns

criticaram o governador da província de Hubei, Wang Xiaodong, depois que ele colocou uma máscara ao contrário durante uma entrevista coletiva.

“Se ele pode se atrapalhar com os dados várias vezes, não admira que a doença tenha se espalhado tão severamente”, disse um usuário da plataforma de mídia social Weibo.

Em autocrítica pública, o prefeito de Wuhan, Zhou Xianwang, disse que a resposta da administração da cidade “não foi boa o suficiente” e indicou que estava disposto a renunciar.

Xianwang revelou que aproximadamente 5 milhões de pessoas deixaram a cidade para passar as férias de Ano Novo antes do decreto de isolamento, mas quando o surto já era conhecido. O governo estendeu o feriado e adiou as férias escolares por tempo indeterminado para evitar a propagação do vírus.

CLIMA FANTASMAGÓRICO

Segundo moradores de Wuhan, o clima da cidade é fantasmagórico. Lojas estão fechadas, a população não pode sair de casa, e a circulação de carros é proibida. Um cartaz erguido em um arranhacéu tenta levantar o moral da população, com a inscrição: “Vamos, Wuhan!”.

O primeiro-ministro chinês Li Keqiang visitou ontem a cidade. Nas imagens divulgadas pelo governo, ele aparece com vestes plásticas de cor azul e uma máscara, examinando dados de um paciente.

Segundo moradores, o atendimento tem sido caótico. Os pacientes precisam esperar horas antes de serem consultados por um médico. Trabalhadores da área da saúde estão usando fraldas porque não têm tempo de ir ao banheiro devido à grande demanda. Diante dessa situação, estão sendo construídos dois hospitais com mil leitos, cada um, que ficarão prontos em menos de duas semanas.

Segundo autoridades de saúde do governo, o esforço para conter o vírus “foi reforçado”, e o patógeno “não é tão potente” quanto o vírus da Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave), que, entre 2002 e 2003, deixou cerca de 750 mortos.

Uma pesquisa do Imperial College London estima que cada paciente portador do patógeno infectou, em média, 2,6 pessoas. A epidemiologista Sheila Bird, autora do levantamento, afirma que, se a conta estiver certa, “medidas como o controle nos aeroportos seriam ineficazes”.