Título: Governo é obrigado a fazer escolhas
Autor: Bassette, Fernanda
Fonte: Jornal do Brasil, 12/03/2011, Vida, p. A13

Hillegonda Maria Dutilh Novaes, especialista em saúde coletiva

É pelas mãos do grupo coordenado pela professora Hillegonda Maria Dutilh Novaes, do Departamento de Medicina Preventiva da USP, que passa boa parte dos relatórios que avaliam a relação entre custo e efetividade das vacinas que integrarão o calendário de imunizações. A pedido do Ministério da Saúde, a equipe avalia se haverá vantagens ou não na inserção do imunizante contra o HPV na rede pública. Leia abaixo entrevista concedida ao Estado:

Como são feitos os relatórios para avaliar o custo/efetividade de uma vacina?

A gente se baseia em dados de ensaios clínicos. Fazemos uma extensa revisão da literatura, analisamos todos os estudos que já foram publicados a respeito e colocamos esses dados em um modelo matemático, chamado análise de decisão, para chegarmos a uma resposta.

No caso da vacina contra o HPV, quantos estudos sobre o assunto foram analisados?

Existem 30 e poucos trabalhos que analisaram a vacina, mas cada um foi feito com grupos diferentes. Existem muitos resultados, por isso precisamos criar metodologias para organizar a informação científica e transferi-la para o mundo real.

A conclusão do relatório é definitiva para o ministério?

Não. Estamos fazendo uma revisão da literatura para termos argumentos para uma discussão e não uma verdade absoluta. Toda nova tecnologia significa mais gastos. Nosso objetivo é avaliar esses gastos e os benefícios adicionais para produzir elementos para o gestor levar em conta. Não é a decisão.

O que é possível afirmar sobre a vacina pelos dados que a senhora já coletou?

A indicação da vacina está baseada em dados muito importantes e, possivelmente, poderá ter uma boa relação entre custo e eficácia. É uma vacina muito importante, com enorme potencial - ela pode evitar câncer, que é uma doença que causa muitos medos -, mas ainda é cercada de incertezas. Há muita coisa que interfere na indicação imediata. Por exemplo: quanto tempo dura a proteção? Ainda não se sabe.

Há outros países em que a vacina é recomendada pelo governo? Sim, mas depende da política de cada governo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a vacina foi introduzida em 2006. As meninas têm um incentivo do governo para se vacinar. Uma cobertura de vacinação é considerada eficiente quando ela atinge 80% do público-alvo. Em 2009, a cobertura para as três doses da vacina estava em 26%.

Por que a adesão foi tão baixa? Provavelmente porque é difícil vacinar adolescentes. É muito mais fácil vacinar crianças, que as mães levam ao posto. Conseguir a adesão de adolescentes para três doses é algo mais complicado. Além disso, alguns pais preferem não vacinar suas filhas, porque temem que elas acreditem que a vacina protegerá contra outras doenças sexualmente transmissíveis.

Médicos defendem que a vacinação é muito importante para a prevenção primária do câncer.

Existe uma pressão forte da classe médica e da indústria. Estão praticamente recomendando a vacina como se fosse um remédio. Mas a vacina é profilática e não terapêutica. Se a menina já teve contato com o vírus antes de tomar a vacina, ela não vai funcionar. Não vai proteger.

Na sua opinião, qual o principal obstáculo para que essa vacina seja inserida na rede?

O maior obstáculo é o alto custo. Acho pouco provável que ela entre para a rede por causa da limitação de recursos. Nos últimos três anos, o Ministério da Saúde incorporou três novas vacinas no calendário: a pneumo 10-valente, a meningite C conjugada e a H1N1. O gasto aumentou demais. Não dá para dizer que o ministério não está sensível em relação à vacina, mas o dinheiro é finito. E ele é obrigado a fazer escolhas. A vacina contra o HPV é muito cara e, se a mulher fizer o rastreamento corretamente, certamente ela não terá câncer.

O rastreamento é realmente eficaz? O câncer de colo ainda é o segundo mais comum e o quarto que mais mata no Brasil.

Nos países com cultura de rastreamento, a mortalidade por câncer de colo de útero é baixa. As pessoas precisam entender que a vacina não significa interromper o rastreamento. Ele vai continuar. / FERNANDA BASSETTE

QUEM É

HILLEGONDA MARIA DUTILH NOVAES

Formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tem mestrado e doutorado em medicina preventiva. É coordenadora do Núcleo de Informação em Saúde do HC e professora associada da USP. É especialista em avaliação econômica de vacinas.