O Globo, n. 31501, 05/11/2019. Sociedade, p. 19

Dano incalculável
André de Souza
Vinicius Sassine



Os danos que o derramamento de petróleo causa à costa do Nordeste estarão “na casa dos bilhões” de reais, ainda que não seja possível precisar, dois meses e seis dias depois de surgirem no litoral as primeiras manchas de óleo, como será feita a cobrança pelo prejuízo e quem pagará a conta. As discussões sobre a reparação a vítimas da tragédia ambiental começam a ganhar corpo no chamado Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), liderado pela Marinha e formado ainda pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Uma reparação, porém, está longe de ser realidade. Primeiro, porque persiste a indefinição sobre a extensão da tragédia: nenhuma autoridade do GAA confirma a afirmação feita pelo presidente Jair Bolsonaro no domingo de que “o pior está por vir”. Segundo, porque as investigações sobre os responsáveis seguem em curso.

A Polícia Federal( PF) apontou o principal suspeito deter vazado o óleo, o navio de bandeira grega Bouboulina, da Delta Tankers LTD. Mas, até agora, a polícia e a Marinha buscam os nomes de comandante e tripulantes da embarcação, além de detalhes sobre o suposto derramamento. A Delta Tankers reafirmou ontem ter provas de que sua embarcação não está envolvida no vazamento.

Por último, a Marinha ainda faz operações para conter o óleo e tentar recuperar as áreas atingidas, a exemplo da Operação Amazônia Azul lançada ontem, com o envio de seus dois maiores navios para acostado Nordeste. A missão envolverá duas mil pessoas, entre elas 670 fuzileiros navais, e inclui ainda uma fragata, um navio de menor porte e seis helicópteros.

O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, esquivou-se de polemizar com o chefe, o presidente Bolsonaro. Ele participou apenas do começo da apresentação do GAA à imprensa, com uma fala de poucos minutos. Antes, havia se reunido com Bolsonaro para apresentar ao presidente o que vem sendo feito até agora. O ministro disse que não é possível saber ainda a quantidade de petróleo derramado.

— O que chegou às praias é uma pequena parte do que foi derramado — afirmou Bolsonaro no domingo, sem explicar a origem da informação, acrescentando: — O pior está por vir, uma catástrofe muito maior que, ao que tudo parece, foi criminosa.

Sobreposição de multas

O ministro limitou-se a dizer que “não sabemos a quantidade derramada, o que está por vir ainda”.

O comandante de Operações Navais da Marinha, almirante de esquadra Leonardo Puntel, também disse que não é possível saber quanto petróleo foi derramado. Ele não respondeu se algum relatório técnico municiou a fala do presidente da República.

— Como é um óleo que vem submerso, que não conseguimos detectar, não sabemos ainda se existe muita coisa ou pouca coisa. Não existe efetivamente uma maneira correta de monitorar essas manchas de óleo.

Os danos causados devem ser quantificados pelo Ibama, na esfera cível, e pela PF, na esfera criminal. Autoridades dos dois órgãos e da Marinha ainda não sabem em que instância haverá uma cobrança — se dentro do país ou num tribunal internacional.

— O limite máximo de uma multa no Brasil é R $50 milhões. Pode-se aplicar mais de uma multa, como ocorreu em Mariana (MG). Na esfera cível, estão envolvidos também os danos operacionais a União, estados e municípios e danos ao turismo. Esse dano não está quantificado ainda. O dano vai ser na casa de bilhões — disse ontem o presidente do Ibama, Eduardo Bim, na entrevista coletiva coma participação de outros integrantes do GAA e da PF.

O Ibama aplicou multas à Samarco, que tema Val eco mouma de suas acionistas, na ordem de R $350 milhões, em razão do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, há quatro anos. Ao todo, foram 25 autos de infração.

Coordenador do Serviço de Geointeligência da Diretoria de Inteligência da PF, o delegado Franco Perazzoni afirmou que a apuração ainda está na fase de suspeitas, sem a materialização da atribuição de culpa, feita na fase de indiciamento. Segundo o delegado, “os danos são de tal monta que são irreparáveis”.

— Qualquer quantificação ainda vai ser pouco, perto do prejuízo que vai ser absorvido por todos — disse.

A Marinha trata a tragédia como inédita no mundo, uma vez que não se sabe, em definitivo, a autoria do vazamento. A Força informou ter aberto outros dois inquéritos para apurar o episódio: um sobre a poluição ambiental e outro a respeito de aspectos de navegação.

A autoridade marítima grega já foi oficiada para dar um posicionamento sobre a investigação da PF, segundo Puntel. A Organização Internacional Marítima, sediada em Londres, será comunicada, conforme o almirante.

Já o paralelo que o presidente do Ibama faz é com a explosão de uma plataforma da petroleira BP, no Golfo do México, em 2010. Os cálculos mais recentes apontam danos na ordem de US$ 17 bilhões.

— O Ibama não tem competência exclusiva para calcular o dano. Se for num tribunal internacional, a atribuição é do Brasil. Se for dentro do país, há vários legitimados, como União, estados, municípios e Ministério Público — disse Bim.

Ao fim das investigações, pode não ser possível responsabilizar o comandante ou outra pessoa física, conforme a PF. Assim, a responsabilização por um ato culposo —sem a intenção de que fosse praticado — seria de uma pessoa jurídica, como prevê a legislação brasileira.

— Crimes ambientais geram montantes de danos absurdos, estratosféricos. Há prejuízos para a pesca e o turismo — afirmou o delegado Perazzoni.

Em caso de responsabilização de pessoas físicas, as penas somadas podem chegar a dez anos de prisão, por crimes de poluição ambiental, inexistência de comunicação de um delito ambiental e crime contra unidades de conservação. Várias unidades foram atingidas.

“O que chegou às praias é uma pequena parte do que foi derramado. O pior está por vir”

Jair Bolsonaro, presidente da República

“Não sabemos a quantidade derramada, o que está por vir ainda”

Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa