Título: Despudor de alto custo
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 13/04/2005, Opinião, p. A10

Ao prosseguir na compulsiva inclinação pela afronta típica dos insensatos - com a qual espanta até mesmo os políticos mais experimentados diante do surpreendente mundo da desfaçatez de Brasília -, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), reafirma o próprio despreparo, ofende o eleitor e desonra a instituição que comanda. A insistência da crítica é justificável pelos reiterados gestos de recados inoportunos. A última mensagem de Cavalcanti: ''Essa história de nepotismo é coisa para fracassados e derrotados que não souberam criar seus filhos. Eu criei bem os meus filhos, que têm universidade, e agora estou indicando José Maurício'', afirmou o parlamentar, na posse do filho na Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Pernambuco.

Provavelmente a extensa lista de impropriedades emitidas pelo presidente da Câmara não terminará por aqui. Pelo menos até que se esgotem o tempo e a paciência dos cidadãos perante as ruidosas tentativas de Severino Cavalcanti de alimentar a inesgotável fome de benefícios - sua e dos colegas. Reafirme-se, então: nepotismo, fisiologismo, clientelismo, empreguismo e quaisquer outros ismos congêneres são práticas a serem extirpadas da prática política brasileira.

Se estivesse à altura do cargo que ocupa, Cavalcanti dedicaria esforços a bani-las do cotidiano do país. Nada disso. Antes, prefere vocalizar as preferências inconfessáveis dos corredores do Congresso, capazes de se irradiar pelos estados e municípios. Na mesma solenidade, Cavalcanti reafirmou que apóia a lei em tramitação no Congresso que propõe o fim das nomeações de parentes - desde que estendida ao Executivo e Judiciário.

De fato, a proibição deve cingir todos os Poderes. É um equívoco, contudo, imaginar que o país precisa de uma emenda constitucional para enterrar o nepotismo e os cabides de emprego entre colegas. Basta ler a cláusula fundamental do Artigo 37 da Constituição: ''A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios observará aos princípios de legalidade, impessoalidade e moralidade''. Mais: o Estatuto dos Servidores da União veda ao agente público ''manter sob sua chefia imediata, em cargo de confiança, cônjuge, companheira ou parente até o segundo grau civil''.

No peculiar vocabulário do presidente da Câmara, porém, impessoalidade e eficiência, marcos da administração pública, resumem-se a palavrões. Um despudor de alto custo para si e para o país.