Título: Primeiro, e não quinto, ano de governo
Autor: Cesar Maia
Fonte: Jornal do Brasil, 13/04/2005, Outras Opiniões, p. A11

Se o reeleito pensar como se entrasse num quinto ano de administração, a opinião pública se deprime

O instituto da reeleição é prática recente no presidencialismo latino-americano, sendo que, aqui no Brasil, a primeira reeleição foi em 1998. E são inúmeros os casos de fracasso no segundo governo. Menem, Fujimori e FHC são exemplos.

Levando em consideração os grandes estados brasileiros, como Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, veremos que, embora em situações diferentes, apenas confirmaram esta assertiva seja pela não reeleição, seja pelo fracasso do segundo governo. Há razões para isso e uma delas, política, é certamente, a expectativa excedente que se cria no processo de reeleição e a relativa frustração posterior. Há também razões de gestão, como a imensa dificuldade de motivar as mesmas equipes num segundo governo, no qual o fator novidade e a eterna desculpa da herança recebida não mais surgem. Há uma terceira razão, que é a fiscal. A curva de gasto dos governos é ascendente, do primeiro ao ultimo ano, o ano eleitoral. Nesse sentido, se tem um projeto com tempo determinado onde só no final se levará o que se fez à avaliação do eleitor. Sendo a curva fiscal ascendente, constrói-se uma poupança fiscal no início e se executa tudo que foi planejado progressivamente.

Ao imaginarmos uma curva que cresce para a direita, no final do governo e após as eleições se tem uma posição de gasto no topo dela. Mas a capacidade de gasto do governo é a média dos quatro anos e não o gasto do último ano. Se a receita real foi crescente, a capacidade de gasto será um pouco acima da média, mas certamente abaixo do topo da curva. Se um governo reeleito tem consciência destes três pontos - expectativas, motivação e capacidade de gasto - e trata o ano seguinte como primeiro ano de um novo governo e não comete o erro de pensar como se estivesse num quinto ano de governo, a chance de acertar é muito grande. Mas, se pensar de forma contrária, como se estivesse entrando num quinto ano da administração, a opinião pública se deprime, a máquina de governo perde a criatividade, se imobiliza e o governo quebra devido à ascensão do gasto por cima de uma curva já ascendente.

Desta forma, cabe ao governo eleito jogar para baixo as expectativas, assumindo, logo após as eleições, os problemas existentes e reconhecendo que deve priorizar seu enfrentamento, substituindo os pólos ativos de seu programa eleitoral pelos pólos passivos. Em segundo lugar, deve concentrar esforços de gestão para renovar a motivação de suas equipes. Alguns governos fazem isso trocando parte de seu gabinete, como o fez o presidente Bush, que trocou pelo menos seis de seus principais secretários de Estado. Outros preferem realizar um esforço gerencial introduzindo programas motivacionais que alcancem todo o governo. Finalmente, a parte mais delicada é o ajuste fiscal, reposicionando a curva de gasto para um ponto entre a média e o topo. Para que esta ação seja feita com o mínimo de desgaste, é necessário que se analise com muito cuidado a estrutura de gasto, revendo cronogramas de investimentos em andamento, ampliando seu prazo de finalização e, com isso, reduzindo o desembolso a curto prazo; enfatizando as obras e ações cujo gasto maior ocorreu na gestão anterior, e que apenas exigem finalizações, mas cuja apropriação pela população ocorre no novo governo, deixando-as para culminar a partir do segundo trimestre; e, finalmente, relançando um forte programa de redução de custos com a revisão de contratos em base à experiência adquirida.

Se estas três peças do quebra-cabeça que representa o final do governo que se encerra e o início do novo governo forem bem trabalhadas, o primeiro ano do segundo governo irá se equilibrar política e financeiramente até o final do primeiro semestre. Dessa forma, a curva de performance política, administrativa e fiscal volta à sua trajetória de crescimento em direção ao momento de julgamento por parte do eleitor, em mais quase quatro anos. Estas equações não são de execução simples, pois os movimentos de resistência, tanto externos quanto internos, da opinião pública e da mídia, da oposição e de sua própria equipe, insistem em exigir uma resposta a partir do topo da curva fiscal, de popularidade anterior e da rotina administrativa.

Esse é o desafio que os chefes de governo expressivos latino-americanos, em todos os níveis, devem enfrentar. Dá trabalho e gera incompreensões. Mas sem isso, lá na frente virá o arrependimento ou, o que é pior, a incompreensão dos fatos. Nem sempre os governantes têm força política para transformar conhecimento e teoria em prática. E, se for assim, esta será a razão primária do fracasso. Muitas vezes é impossível aplicar nos três vetores citados as ações requeridas, mesmo tendo-se a teoria como base. Neste caso, a razão secundária será a causa do malogro. Os exemplos existentes e os bons resultados conseguidos ajudam a entender este processo e a bem executá-lo. Para isso se requer efetividade e, sobretudo, paciência.